sexta-feira, 4 de abril de 2008

George Orwell - A Revolução dos Bichos



Uma parte que o texto de apresentação abaixo não dá tanta atenção, e que eu considero como uma das melhores do livro, é a reescrita constante das regras revolucionárias para adequa-las a fuga do caminho comunista, indo cada vez mais contra aquilo que foi pensando pelo Major. Conhecer essa deturpação da teoria marxista e marxiana(e isso implica conhecer a teoria marxista e marxiana) é vital para entender os erros da URSS , entender o porque ela foi uma experiência importantisssima, mas, que me desculpem os Stalinistas, que não corresponde ao comunismo.


Fonte do livro digitalizado: Não possuo a fonte
Fonte dos dados acerca do livro: A Revolução dos Bichos: Uma Análise da União Soviética Através da Literatura

Links:
Livro digitalizado em formato pdf
Diretorio onde se encontra o livro

Por Luís Wilson

Introdução

Um dos grandes acontecimentos do século XX, as Revoluções Russas do início do século passado desembocaram numa das maiores alternativas históricas a um processo hegemônico de dominação, neste caso, o capitalismo liberal desenvolvido no século XIX.

A constituição da URSS (União das Repúblicas Socialistas Soviéticas) é até hoje motivo de muitos estudos e controvérsias, guiados, na maioria das vezes, pelo perfil ideológico da pessoa que aborda este tema. Para a maioria das vertentes de esquerda foi um sistema alternativo ao Capitalismo, constituindo um país mais justo onde o bem-estar geral é o que importa. Já para as vertentes de direita – principalmente com o fim da URSS em 1989 -, foi um monstro fora de controle que demonstra os perigos da ditadura da maioria, os malefícios de um governo totalitário e ainda a comprovação da falência de governos não-representativos.

Diante de tanta controvérsia e independente de que lado nos posicionamos, não podemos negar a importância deste processo e o exemplo que ele deu de possibilidade de desenvolvimento fora do capitalismo – deixando de lado, se foi bom ou ruim, certo ou errado.

A Revolução dos Bichos

A história dos animais que se rebelam contra a dominação do homem na fazenda Granja do Solar tornou-se célebre como uma das primeiras críticas ao regime soviético, tendo inclusive o ano de publicação inicial prorrogado, pois na época em que seria lançado – 1944 – a URSS era ainda aliada dos EUA e da Inglaterra na 2ª guerra mundial.

De uma forma direta, os principais agentes do processo estão representados nesta fábula. Podemos organizar da seguinte maneira:

Os teóricos da revolução

O porco Major é o mais velho e sábio entre os animais da fazenda, e sempre fala aos demais animais sobre o sonho que ele tem, onde os animais se governariam de igual para a igual, consumindo o que produzem. Segundo ele, o homem é o único ser que não produz o que consome, e logo, explora os demais animais para conseguir seu sustento, usando da força para conseguir se sustentar numa posição confortável. Caberia então aos próprios animais, conscientes disto, se rebelarem e assumirem o controle sobre as próprias vidas.

O velho Major é uma alusão clara aos teóricos do Comunismo e do Socialismo, principalmente Karl Marx. A parte sobre a produção dos alimentos e o consumo destes pelos humanos é, respectivamente, uma alusão clara ao problema dos meios de produção e dos modos de produção. Já os constantes discursos e reflexões proferidos pelo porco remetem à tentativa de introduzir, nos animais, consciência de classe, tirando-os do processo de alienação exercido pela burguesia (humanos). Assim como Marx, Major idealiza todo o processo, mas não vive para ver sua realização – e posterior deturpação, nas mãos do porco Napoleão.

Os organizadores da revolução

Os porcos Napoleão e Bola-de-Neve, por sua vez, são os que, a partir da morte do major, passam a organizar, secretamente, as reuniões para a organização da rebelião. A princípio unidos, após a revolução os dois tomam caminhos diferentes – o porco Bola-de-Neve pretende desenvolver cada vez mais a fazenda para diminuir o trabalho dos animais, consolidando a fazenda como um lugar próspero, servindo de exemplo às granjas vizinhas, sendo assim o centro de um processo muito maior que emanciparia todas as fazendas e granjas onde o animal era explorado. Já o porco Napoleão, que, apesar de inteligente, não tinha uma boa reputação quanto ao seu caráter, queria que os animais trabalhassem cada vez mais para consolidar o poder local na fazenda, tornando-a forte o suficiente para resistir a eventuais represálias dos humanos.

Esses dois porcos remetem a Trotski – que apoiava uma URSS direcionada à consolidação e à expansão do socialismo no mundo, e a Stálin – que via no desenvolvimento exclusivo da URSS o único meio de sustentar o sistema comunista. No livro, o porco Napoleão, em constantes desacordos com Bola-de-Neve, acaba dando um golpe e expulsando-o da granja, assumindo assim o posto de único líder dos animais.

A censura e a alienação

Temos, a partir daí, todo um processo de alienação dos demais animais, ilustrado principalmente pelo porco Garganta, descrito no livro como um animal que “Manejava a palavra com brilho, [...] era capaz de convencer de que preto era branco.” Isso remete a dois aspectos fortes no totalitarismo da União Soviética: a censura e a manipulação direcionada da mídia e a alienação e deturpação da memória coletiva. Os que eram contra, ou criticavam o sistema, eram expulsos ou executados. Assim, a geração posterior à da revolução, que já não gozava dos mesmos benefícios de seus pais, sempre ouvia as grandiosas histórias da revolução e de como antes era pior – e mesmo com a situação atual tão ruim como antes, o fato do governo ser exercido por um “camarada,” por um igual, sempre contava como fator decisivo para a idéia da superioridade da atual situação.

Os excluídos

A égua Mimosa que, por algum tempo após a revolução, foge da Granja para continuar sendo “paparicada” pelos humanos, demonstra a situação real de fuga de alguns setores sociais, que fugiram ao perder suas regalias – principalmente com a reforma agrária feita na URSS em agosto de 1917, onde se nacionalizou a terra. A égua, sempre fútil e preguiçosa, não resiste aos encantos do dono de uma granja vizinha, e um belo dia some, sendo avistada prestando serviços ao novo dono em outra fazenda.

Os agentes da revolução

O cavalo Sansão representa a real força da revolução. Animal mais forte e mais trabalhador, o problema de Sansão é sua dificuldade em aprender a ler, e em interpretar as idéias dos porcos. Sempre confiante em Napoleão, mesmo após a expulsão de Bola-de-Neve, nunca para de trabalhar, até que, um dia, adoece esgotado pela exploração de sua força de trabalho. Não podendo mais trabalhar, é mandado para um matadouro, para evitar as despesas com sua inatividade. Sansão é uma referência direta à classe camponesa – real força da revolução, mas que é mantida alienada após a revolução, manipulada pelo governo. Com o passar do tempo, recriam-se os mecanismos de domínio e de exploração, sempre em prol da nação, com a sobrevivência coletiva importando mais que a sobrevivência do indivíduo.

Troca-se a direção, mantém-se a exploração

Temos então, no fim do livro, a aparição dos porcos andando em duas patas, vestidos como humanos, morando na casa dos antigos donos e utilizando as coisas deles. Nas últimas páginas, um dos animais flagra uma reunião entre os donos de granjas vizinhas e os porcos. O animal então já não distingue mais quem é porco, quem é humano, ou seja, a revolução tomou um rumo tão ou mais cruel que o sistema anterior, baseado na perseguição dos mesmos objetivos das fazendas vizinhas, tornando os líderes tão sujos e corruptos quanto os humanos. Os sete mandamentos dos animais, inicialmente criados na revolução, são deturpados ao longo do tempo, e no final resumem-se em apenas um:

“Todos os animais são iguais, mas uns são mais iguais que os outros.”

A manutenção da alienação, a continuidade da exploração da maioria, a perseguição e o silenciamento da oposição e o desejo de se tornar maior e melhor que as outras fazendas (países), tendo em segundo plano o bem-estar coletivo, são a grande crítica ao totalitarismo soviético deixada por Orwell. Ironicamente, foi devido à tentativa de se tornar um potência nos moldes capitalistas, que a URSS acabou se desagregando.


Cronologia

1903: Nascimento de George Orwell

1917: -Março: Tzar Nicolau II é derrubado, constituição de um governo provisório eleito pela Duma e, numa série de cidades, dos conselhos de operários e de soldados/soviets

-Novembro: Partido Bolchevique toma o poder, comandado por Lênin, Trotski e

Stálin

1917-1924: Governo de Lênin

1922: George Orwell alista-se na Polícia Imperial Britânica

1924: Morte de Lênin;Stálin assume, progressivamente o poder, marginalizando Trotski e seus seguidores.

1924-1953: Governo de Stálin

1936: George Orwell participa da Guerra Civil Espanhola

1942: Orwell se alista no exército britânico na 2ª guerra mundial, mas é liberado no ano seguinte devido a problemas de saúde.

1944: Orwell tenta publicar A Revolução dos Bichos mas, devido à aliança da Inglaterra com a URSS, nenhuma editora aceita editar a história.

1945: Com o fim da 2ª guerra mundial, publica-se, afinal, A Revolução dos Bichos.

1949: Publicação do livro de Orwell que é considerado uma obra-prima da ficção: 1984

1950: Morte de George Orwell em Londres

1953: Morte de Stálin

Bibliografia

AARÃO Reis, Daniel. As revoluções russas e o socialismo soviético. São Paulo, EDUNESP, 2004.

DEUTCHER, I. Stálin, a História de uma Tirania. Rio de Janeiro. Civilização Brasileira, 2 vols., 1970.

FERRO, Marc. A revolução russa. São Paulo, Kairós, 1976.

MARX, Karl e ENGELS, F. O manifesto comunista.

ORWELL, George. A revolução dos bichos. Rio de Janeiro, Biblioteca O Globo, 2003.



0 comentários: