sexta-feira, 16 de maio de 2008

Dostoiévski - Crime e Castigo - 1866

Fonte do livro digitalizado: Projeto Democratizacao da Leitura

Fonte dos dados acerca do livro: Armadilha Poética

Texto de: Beatriz Bajo

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Livro digitalizado em formato pdf
Diretorio onde se encontra o livro

Normalmente, o Armadilha Poética privilegia os novos autores, escritores contemporâneos ou aqueles que não estão freqüentemente nas primeiras prateleiras de bibliotecas e livrarias. Todavia, não resisti e precisei deixar registrada minha perplexidade em relação à leitura de um dos melhores romances que li. Evidentemente que muitos já devem ter usufruído esta maravilha de livro que mantém como original o título “Prestuplenie I Nakazanie”, escrito por nada menos que o russo Fiódor Mikháilovitch Dostoiévski.

Aqui em casa, houve um surto. Meu pai leu e ficou chocado. Enquanto ele devorava o segundo volume, minha mãe viu-se tentada a descobrir o motivo de tanta euforia. E eu, na minha corrida contra o que me aparta de conhecer todos os clássicos e contemporâneos e quaisquer outros títulos dos milhares de livros que gostaria de apreciar, debrucei-me sobre a trajetória de Rodion Românovitch Raskólnikov, quem protagoniza toda a trama.

O enredo gira em torno de Raskólnikov, um estudante que vive em São Petersburgo e enfrenta grandes dificuldades financeiras. Arriscando-se, inicialmente, como professor de línguas, Rodion é um jovem, como muitos, que possui grandes ideais, no entanto, não consegue encontrar meios para viabilizá-los.

Tal personagem arquiteta uma teoria que dicotomiza homens ordinários e homens extraordinários. Entre estes, estão, por exemplo, Napoleão e César. Tomado pela consternação de sua vida sem perspectiva, o estudante pratica um crime (planeja o assassinato de uma agiota), acreditando que a senhora é uma pessoa má, um “piolho”; conseqüentemente, ele estaria fazendo um favor à sociedade. Assim como os grandes homens da história, que foram assassinos absolvidos.

No entanto, sua teoria furou na medida em que ele se deu conta de que não era extraordinário, porque carregou o peso de uma culpa que reluta em não sentir, entrando num labirinto de amarguras que convivem com as angústias do delito e seus delírios e fracassos.

Dostoiévski conduz a trama com tanta precisão, que me senti, diversas vezes, admirando um quadro, porque há uma riqueza de imagens tamanha que posso ver os filhos de Marmieládov na cena em que este chega a casa e sua mulher o arrasta pelos cabelos, pela casa inteira, quando percebe que todo o ordenado foi gasto, novamente, com bebida:

A garota que dormia acordou e começou a chorar. O rapazinho que estava no canto não pôde conter-se e começou a tremer e a gritar, e cingiu-se contra a irmã, apavorado, como se estivesse quase para sofrer um ataque. A irmãzinha mais velha tremia, colada à parede, como a folha duma árvore (p.35).

Este e diversos outros acontecimentos inesperados que passeiam pelas ruas de São Petersburgo, entre becos e tabernas e diálogos instigantes, tudo recheado com discussões acerca do existencialismo, do niilismo, da fé e da manutenção da dignidade que se sobrepõe à vileza da alma humana. Vale a pena ressaltar a nota do tradutor sobre o nome Raskólhnikov:

Nome forjado de raskol, cisão. É evidente o propósito simbolista do autor. Criando este nome, quer mostrar, através da significação do étimo, o homem cindido, atormentado pela contradição, entre as exigências que ele faz à vida, à humanidade e a si mesmo, e a capacidade para realizá-las. (p.13).

Enfim, publicado em 1866, quase 20 anos após a prisão de Dostoievski por conta de reuniões subversivas que conspiravam o assassinato de Nicolau I, Czar da Rússia. Apesar de livrar-se da condenação à morte, o autor vivenciou a prisão e a pobreza em meio à epilepsia, perturbações psicológicas e crises religiosas que reverberaram no ânimo de Raskól.

Com mais de um século de existência, o livro permanece impressionando pela magnífica capacidade descritiva e narrativa das contradições humanas: “Quiseram falar, mas não lhes foi possível. Havia lágrimas nos seus olhos. Estavam ambos pálidos e abatidos...” (p.310) assim também eu estava quando finalizava as últimas páginas dessa experiência que me rendeu alguns pesadelos durante as madrugadas e uns escritos.

Por tudo isso é que recomendo urgente a companhia de “Crime e castigo”. Quem ainda não leu que corra, porque há um universo de inusitadas emoções a serem deflagradas tanto no livro como em si mesmo, dissecações de personalidades e descobertas a cada virada de página que sem dúvida irão fazer valer as palavras aqui escritas.

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