sexta-feira, 16 de maio de 2008

Dostoiévski - O Idiota - 1867 e 1868


Fonte do livro digitalizado: Projeto Democratizacao da Leitura

Fonte dos dados acerca do livro: IG Educacao

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Diretorio onde se encontra o livro



Dostoiévski é um compendio de todas as angústias, desesperos e incertezas de uma humanidade arremetida contra uma realidade massacrante, veemente e caoticamente industrializante, que não consegue resolver nem minimizar seus antigos problemas existencialistas e já se depara com uma outra gama de indagações e misérias impostas por uma crescente urbanização caótica. Dostoievski, assim como um Kafka ou um Joyce, reflete o aturdimento do homem perante a modernidade.


Em Dostoievski se agrupam ainda o descalabro de uma monarquia despótica, as maiores aspirações do povo russo (refletidas nos crescentes movimentos anarquistas e socialistas), sua saúde frágil e delicada abalada constantemente com suas crises epilépticas, sua compulsão e vicio do jogo, as perseguições dos credores, principalmente editores que lhe adiantavam pagamentos por obras que sequer estavam configuradas, morte prematura dos filhos, uma educação e infância pobres, uma tirania paterna contrabalançada pela doçura e compreensão maternas, um agudo sentido de sofrimento pelo povo rude, uma temporada de vários anos na prisão da Sibéria por envolvimento em um grupo anticzarista. Tudo embalado em um misticismo protocatólico particularmente russo, especificamente dostoievskiano.


Ler Dostoievski é mergulhar nos bruscos contrastes do ser humano. Ernesto Sábato, em sua obra "O Escritor e seus Fantasmas" cita Maurice Nodeau que afirma que "Um romance que deixe tal como era o escritor e o leitor é um romance inútil. É verdade. Quando terminamos de ler 'O Processo' não somos a mesma pessoa de antes (e com certeza muito menos Kafka depois de escrevê-lo)". Da mesma forma, não se entra impunemente em um livro de Dostoievski. O jornalista e editor da revista Cult, Manuel da Costa Pinto, comenta que "obras como 'Crime e Castigo' ou 'Ana Karênina' (Tolstói) reúnem em suas personagens e muitas vezes em uma única personagem todo o mosaico possível de acepções do humano: os abismos interiores de desejo e culpa, os determinismos materiais e a tentativa de transcendê-los social e espiritualmente, as utopias políticas e religiosas, a fronteira tênue entre sanidade e demência, lucidez e possessão".


Tudo isso está representado no personagem principal de "O IDIOTA", o Príncipe Míchkin semilouco, semi-idiota, meio santo, misto de Jesus Cristo e D. Quixote (essa, aliás, uma figura muito querida por Dostoievski). O simples fato de conseguir tornar uma tal personagem plausível, densa e complexa sem cair em esquematismos infantis e simplistas ou transformá-la em um boneco oco e vazio já demonstra um fantástico domínio da escrita (o que, como diz Paulo Bezerra em sua introdução, era justamente uma das maiores preocupações do autor).


Pois o Príncipe Míchkin cai como um cometa no meio da sociedade de Petersburgo. Por ele se agitam e transitam todas as vaidades, os egoísmos, a ganância, a luxúria. Seu rosto franco e sincero, seu olhar aparentemente tão ingênuo perpassam as mascaras, entende as almas ao seu redor. E sofre por elas.


O enredo é relativamente simples e raso (principalmente em comparação com a densidade filosófica do assassinato praticado por Raskólnikov e sua conseqüente autopunição moral, em 'Crime e Castigo' ou a discussão político-existencial de 'Os Demônios'). O Príncipe Míchkin volta para a Rússia após alguns anos se tratando na Suíça para receber uma herança que acabará com sua miséria financeira. A história serve como um condutor para a apresentação de mais uma vasta galeria de personagens dostoievskianos que representam os extremos possíveis, do sublime ao degradado, do patético ao iluminado. Desta forma, o príncipe encontra Rogójin, também recém-rico, que sacrificaria sua própria vida pela sua paixão e Gánia Ívolguin, que acredita que somente pela obtenção de dinheiro pode ser um humano completo.


As mulheres, como em toda a obra de Dostoievski possuem uma vitalidade e presença nunca antes alcançadas na literatura. Como não se impressionar pela nobre e altiva, e ao mesmo tempo terrena e concreta, Aglaia Iepántchin? Como não se apaixonar, do mesmo modo que Rogójin, por Nastácia Filíppovna, essa desconcertante síntese de pureza e maldade, a recorrente figura dostoievskiana da cortesã-prostituta-santa?

1 comentários:

josaphat disse...

Amigo, você falou muito bem:
"Não se entra impunemente em um livro de Dostoievsky"
A gente sabe que vai ser difícil, e que algo vai acontecer.
Por isso, eu diria, que também não se sai impunemente de um livro de Dostoievsky.
Gostei de seu blog.