sexta-feira, 23 de maio de 2008

Dostoiévski - Os Irmãos Karamazov - 1879


Fonte do livro digitalizado: Projeto Democratizacao da Leitura

Fonte dos dados acerca do livro: Crítica Literária

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Sem dúvida um dos melhores, senão o melhor, romances que eu já tive o prazer de ler. Num dos trechos do livro Ivan questiona o porquê de deus permitir o sofrimento de uma criança(que ele, assim como eu, acredita ser inocente), ao ler tal trecho me senti "roubado", era como se Dostoiévski tivesse lido minha mente e colocado meus pensamentos na boca do Ivan ...

O mistério da existência

por Tiago Ferreira

Este foi o último grande romance de Dostoiévski (1879-1880), terminado pouco tempo antes da sua morte, em São Petersburgo (1881). Faz parte das sua obras maiores, juntamente com Crime e Castigo (1886), O Idiota (1868) e Os Possessos (1871-1872), todas elas escritas na fase final da vida, sem dúvida mais produtiva.

Radicalismos da boemia, impulsão dos sentimentos individuais, infortúnio dos pensamentos sociais, repúdio aos excessos moralistas da humanidade. Podem parecer retratações perturbadoras e conflitantes na mente de um único ser. Mas se quer encontrar todas essas indagações existencialistas e as contradições psicológicas que permeiam o cérebro humano, basta pegar em mãos o livro Os Irmãos Karamazov, complexo romance de Fiódor Dostoiévski.

Publicado dois anos antes da sua morte (1879), Os Irmãos Karamazov tem sua narrativa centralizada no ato do parricídio. Ação é conseqüência do pensamento. E, mesmo negando a acepção de psicólogo que muitos leitores e apreciadores de sua obra denominam, Dostoiévski traça um perfil minucioso, sem ser muito intricado, de cada personagem que faz parte do romance.

Fiódor Pávlovitch Karamazov é um velho sedutor e estúpido que não segue regras morais e só pensa na satisfação de seus desejos individuais. É pai de três filhos, dos quais nem dava atenção, chegando a cair no esquecimento da existência deles no período de suas infâncias.

Ivã Karamazov, filho mais velho, é o mais inteligente e questionador, porém ao mesmo tempo negligente e amoral. Tanto que é autor de ‘O Grande Inquisidor’, artigo que contesta a ideologia moralista e rompe as barreiras psicológicas da ‘normalidade’, indagando a inexistência de um ser superior. ‘Se Deus não existe, tudo é permitido’ é a finalidade de seu pensamento. Argumento que Smierdiákov toma como ponto de partida para cometer o assassínio de Fiódor Pavlovitch, que não o reconhecera como pai.

Aliéksiei Fiódorovitch Karamazov e Dmítri Karamazov são os outros dois filhos do velho boêmio. Aliéksiei, tratado como Aliócha no romance, é o mais novo e viveu grande parte de sua vida em um mosteiro, tendo como mentor um ancião moribundo e religioso. Aliócha é o personagem ‘heróico’, como alega Dostoiévski no prefácio de seu livro; apóia os irmãos, ajuda quem precisa e crê no divino. Apesar de grande fé, não contraria o niilismo de Ivã e acredita na inocência de Dmítri, culpado de assassinar o pai por disputarem o amor de Grúchenchka, que brincava com o sentimento de ambos.

A discussão do romance vai da existência individual no mundo à crítica ao pensamento hegemônico da sociedade. Cada personagem possui divergentes temperamentos e interesses, sem deixar de terem o tratamento dostoievskiano – entenda-se dramas mentais, capacidade analítica de interpretarem o cotidiano às suas maneiras, sutil perspicácia e vítimas de uma moral dominante.

Dostoiévski dá bastante importância às realidades dos irmãos Ivã, Dmítri e Aliócha a ponto de separar exclusivos capítulos retratando fatos que os permeiam, a influência de determinadas personagens e pensamentos em suas vidas e o temperamento situacional de cada um. Dmítri é impulsivo e violento. Aliócha, têmpero e complacente. Já Ivã, cético e imparcial.

No momento da morte de Fiódor Pávlovitch, Dostoiévski traça minuciosamente a chegada de seu filho Dmítri à sua casa, desenvolvendo o longo da romance até o fato transparecendo a teoria de sua culpabilidade no crime, mas sem deixar comprometedores vestígios de quem realmente foi o assassino. O escritor brinca com a narrativa, mesclando distúrbios interiores do ser humano com uma cronologia similar aos romances policiais, onde permanece o mistério do assassinato.

A complexidade de Os Irmãos Karamazov não está no grande número de acontecimentos sucessivos, mas na perspectiva ideológica de cada personagem, como encaram a realidade em que vivem e o sincretismo egocêntrico individual, que mistura a homogênea ideologia do público com a heterogeneidade particular.

O resultado dessa vasta síntese é uma estória atrativa que desloca uma linear corrente de pensamento, suscitando uma inevitável redargüição da família e religião, moral e ética, crime e punição, sendo contemporâneo sem deixar de ser clássico. Os Irmãos Karamazov, realista do começo ao fim, é uma obra tão ampla quanto a nossa existência. Não é a toa que é tido pelo gênio da psicanálise Sigmound Freud como “a maior obra de todos os tempos”.

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