quinta-feira, 27 de março de 2008

A Moral em Marx e Nietzsche

Aproveitando o especial Nietzsche indico o artigo no blog Pensameto e Devir sobre a diferença entre a Moral em Marx e Nietzsche.

Fica aí a dica, grande abraço a todos.

Nietzsche


quem veja em Platão e Aristóteles o ápice da filosofia grega, e há quem veja nelas a negação daquilo que a filosofia de Heráclito tinha de melhor. Nietzsche é uma das maiores flores desse “ramo maldito”.






Fonte dos dados acerca do autor: Mundo dos Filósofos

Eduardo Sugizaki - Para uma leitura leiga de Nietzsche

Diretorio onde se encontram os livros

Todas as obras diponiveis

* Obras disponiveis no arquivo rar:

Vida e Obra

Friedrich Wilhelm Nietzsche nasceu a 15 de outubro de 1844 em Röcken, localidade próxima a Leipzig. Karl Ludwig, seu pai, pessoa culta e delicada, e seus dois avós eram pastores protestantes; o próprio Nietzsche pensou em seguir a mesma carreira.

Em 1849, seu pai e seu irmão faleceram; por causa disso a mãe mudou-se com a família para Naumburg, pequena cidade às margens do Saale, onde Nietzsche cresceu, em companhia da mãe, duas tias e da avó. Criança feliz, aluno modelo, dócil e leal, seus colegas de escola o chamavam "pequeno pastor"; com eles criou uma pequena sociedade artística e literária, para a qual compôs melodias e escreveu seus primeiros versos.

Em 1858, Nietzsche obteve uma bolsa de estudos na então famosa escola de Pforta, onde haviam estudado o poeta Novalis o filósofo Fichte (1762-1814). Datam dessa época suas leituras de Schiller (1759-1805), Hölderlin (1770-1843) e Byron (1788-1824); sob essa influência e a de alguns professores, Nietzsche começou a afastar-se do cristianismo. Excelente aluno em grego e brilhante em estudos bíblicos, alemão e latim, seus autores favoritos, entre os clássicos, foram Platão (428-348 a.C.) e Ésquilo (525-456 a.C.). Durante o último ano em Pforta, escreveu um trabalho sobre o poeta Teógnis (séc. VI a.C.). Partiu em seguida para Bonn, onde se dedicou aos estudos de teologia e filosofia, mas, influenciado por seu professor predileto, Ritschl, desistiu desses estudos e passou a residir em Leipzig, dedicando-se à filologia. Ritschl considerava a filologia não apenas história das formas literárias, mas estudos das instituições e do pensamento. Nietzsche seguiu-lhe as pegadas e realizou investigações originais sobre Diógenes Laércio (séc. III), Hesíodo (séc. VIII a.C.) e Homero. A partir desses trabalhos foi nomeado, em 1869, professor de filologia em Basiléia, onde permaneceu por dez anos. A filosofia somente passou a interessá-lo a partir da leitura de O Mundo como Vontade e Representação, de Schopenhauer (1788-1860). Nietzsche foi atraído pelo ateísmo de Schopenhauer, assim como pela posição essencial que a experiência estética ocupa em sua filosofia, sobretudo pelo significado metafísico que atribui à música.

Em 1867, Nietzsche foi chamado para prestar o serviço militar, mas um acidente em exercício de montaria livrou-o dessa obrigação. Voltou então aos estudos na cidade de Leipzig. Nessa época teve início sua amizade com Richard Wagner (1813-1883), que tinha quase 55 anos e vivia então com Cosima, filha de Liszt (1811-1886). Nietzsche encantou-se com a música de Wagner e com seu drama musical, principalmente com Tristão e Isolda e com Os Mestres Cantores. A casa de campo de Tribschen, às margens do lago de Lucerna, onde Wagner morava, tornou-se para Nietzsche lugar d "refúgio e consolação". Na mesma época, apaixonou-se por Cosima, que viria a ser, em obra posterior, a "sonhada Ariane". Em cartas ao amigo Erwin Rohde, escrevia: "Minha Itália chama-se Tribschen e sinto-me ali como em minha própria casa". Na universidade, passou a tratar das relações entre a música e a tragédia grega, esboçando seu livro O Nascimento da Tragédia no Espírito da Música.

O Filósofo e o Músico

Em 1870, a Alemanha entrou em guerra com a França; nessa ocasião, Nietzsche serviu o exército como enfermeiro, mas por pouco tempo, pois logo adoeceu, contraindo difteria e disenteria. Essa doença parece ter sido a origem das dores de cabeça e de estômago que acompanharam o filósofo durante toda a vida. Nietzsche restabeleceu-se lentamente e voltou a Basiléia a fim de prosseguir seus cursos.

Em 1871, publicou O Nascimento da Tragédia, a respeito da qual se costuma dizer que o verdadeiro Nietzsche fala através das figuras de Schopenhauer e de Wagner. Nessa obra, considera Sócrates (470 ou 469 a.C.-399 a.C.) um "sedutor", por ter feito triunfar junto à juventude ateniense o mundo abstrato do pensamento. A tragédia grega, diz Nietzsche, depois de ter atingido sua perfeição pela reconciliação da "embriaguez e da forma", de Dioniso e Apolo, começou a declinar quando, aos poucos, foi invadida pelo racionalismo, sob a influência "decadente" de Sócrates. Assim, Nietzsche estabeleceu uma distinção entre o apolíneo e o dionisíaco: Apolo é o deus da clareza, da harmonia e da ordem; Dioniso, o deus da exuberância, da desordem e da música. Segundo Nietzsche, o apolíneo e o dionisíaco, complementares entre si, foram separados pela civilização. Nietzsche trata da Grécia antes da separação entre o trabalho manual e o intelectual, entre o cidadão e o político, entre o poeta e o filósofo, entre Eros e Logos. Para ele a Grécia socrática, a do Logos e da lógica, a da cidade-Estado, assinalou o fim da Grécia antiga e de sua força criadora. Nietzsche pergunta como, num povo amante da beleza, Sócrates pôde atrair os jovens com a dialética, isto é, uma nova forma de disputa (ágon), coisa tão querida pelos gregos. Nietzsche responde que isso aconteceu porque a existência grega já tinha perdido sua "bela imediatez", e tornou-se necessário que a vida ameaçada de dissolução lançasse mão de uma "razão tirânica", a fim de dominar os instintos contraditórios.

Seu livro foi mal acolhido pela crítica, o que o impeliu a refletir sobre a incompatibilidade entre o "pensador privado" e o "professor público". Ao mesmo tempo, esperava-se com seu estado de saúde: dores de cabeça, perturbações oculares, dificuldades na fala. Interrompeu assim sua carreira universitária por um ano. Mesmo doente foi até Bayreuth, para assistir à apresentação de O Anel dos Nibelungos, de Wagner. Mas o "entusiasmo grosseiro" da multidão e a atitude de Wagner embriagado pelo sucesso o irritaram.

Terminada a licença da universidade para que tratasse da saúde, Nietzsche voltou à cátedra. Mas sua voz agora era tão imperceptível que os ouvintes deixaram de freqüentar seus cursos, outrora tão brilhantes. Em 1879, pediu demissão do cargo. Nessa ocasião, iniciou sua grande crítica dos valores, escrevendo Humano, Demasiado Humano; seus amigos não o compreenderam. Rompeu as relações de amizade que o ligavam a Wagner e, ao mesmo tempo, afastou-se da filosofia de Schopenhauer, recusando sua noção de "vontade culpada" e substituindo-a pela de "vontade alegre"; isso lhe parecia necessário para destruir os obstáculos da moral e da metafísica. O homem, dizia Nietzsche, é o criador dos valores, mas esquece sua própria criação e vê neles algo de "transcendente", de "eterno" e "verdadeiro", quando os valores não são mais do que algo "humano, demasiado humano".

Nietzsche, que até então interpretara a música de Wagner como o "renascimento da grande arte da Grécia", mudou de opinião, achando que Wagner inclinava-se ao pessimismo sob a influência de Schopenhauer. Nessa época Wagner voltara-se, ao mesmo tempo, a recusa do cristianismo e de Schopenhauer; para Nietzsche, ambos são parentes porque são a manifestação da decadência, isto é, da fraqueza e da negação. Irritado com o antigo amigo, Nietzsche escreveu: "Não há nada de exausto, nada de caduco, nada de perigoso para a vida, nada que calunie o mundo no reino do espírito, que não tenha encontrado secretamente abrigo em sua arte; ele dissimula o mais negro obscurantismo nos orbes luminosos do ideal. Ele acaricia todo o instinto niilista (budista) e embeleza-o com a música; acaricia toda a forma de cristianismo e toda expressão religiosa de decadência".

Solidão, Agonia e Morte

Em 1880, Nietzsche publicou O Andarilho e sua Sombra: um ano depois apareceu Aurora, com a qual se empenhou "numa luta contra a moral da auto-renúncia". Mais uma vez, seu trabalho não foi bem acolhido por seus amigos; Erwin Rohde nem chegou a agradecer-lhe o recebimento da obra, nem respondeu à carta que Nietzsche lhe enviara. Em 1882, veio à luz A Gaia Ciência, depois Assim falou Zaratustra (1884), Para Além de Bem e Mal (1886), O Caso Wagner, Crepúsculo dos Ídolos, Nietzsche contra Wagner (1888). Ecce Homo, Ditirambos Dionisíacos, O Anticristo e Vontade de Potência só apareceram depois de sua morte.

Durante o verão de 1881, Nietzsche residiu em Haute-Engandine, na pequena aldeia de Silvaplana, e, durante um passeio, teve a intuição de O Eterno Retorno, redigido logo depois. Nessa obra defendeu a tese de que o mundo passa indefinidamente pela alternância da criação e da destruição, da alegria e do sofrimento, do bem e do mal. De Silvaplana, Nietzsche transferiu-se para Gênova, no outono de 1881, e depois para Roma, onde permaneceu por insistência de Fräulein von Meysenburg, que pretendia casá-lo com uma jovem finlandesa, Lou Andreas Salomé. Em 1882, Nietzsche propôs-lhe casamento e foi recusado, mas Lou Andreas Salomé desejou continuar sua amiga e discípula. Encontraram-se mais tarde na Alemanha; porém, não houve a esperada adesão à filosofia nietzschiana e, assim, acabaram por se afastar definitivamente.

Em seguida, retornou à Itália, passando o inverno de 1882-1883 na baía de Rapallo. Em Rapallo, Nietzsche não se encontrava bem instalado; porém, "foi durante o inverno e no meio desse desconforto que nasceu o meu nobre Zaratustra".

No outono de 1883 voltou para a Alemanha e passou a residir em Naumburg, em companhia da mãe e da irmã. Apesar da companhia dos familiares, sentia-se cada vez mais só. Além disso, mostrava-se muito contrariado, pois sua irmã tencionava casar-se com Herr Foster, agitador anti-semita, que pretendia fundar uma empresa colonial no Paraguai, como reduto da cristandade teutônica. Nietzsche desprezava o anti-semitismo, e, não conseguindo influenciar a irmã, abandonou Naumburg.

Em princípio de abril de 1884 chegou a Veneza, partindo depois para a Suíça, onde recebeu a visita do barão Heinrich von Stein, jovem discípulo de Wagner. Von Stein esperava que o filósofo o acompanhasse a Bayreuth para ouvir o Parsifal, talvez pretendendo ser o mediador para que Nietzsche não publicasse seu ataque contra Wagner. Por seu lado, Nietzsche viu no rapaz um discípulo capaz de compreender o seu Zaratustra. Von Stein, no entanto, veio a falecer muito cedo, o que o amargurou profundamente, sucedendo-se alternâncias entre euforia e depressão. Em 1885, veio a público a Quarta parte de Assim falou Zaratustra; cada vez mais isolado, o autor só encontrou sete pessoas a quem enviá-la. Depois disso, viajou para Nice, onde veio a conhecer o intelectual alemão Paul Lanzky, que lera Assim falou Zaratustra e escrevera um artigo, publicado em um jornal de Leipzig e na Revista Européia de Florença. Certa vez, Lanzky se dirigiu a Nietzsche tratando-o de "mestre" e Nietzsche lhe respondeu: "Sois o primeiro que me trata dessa maneira".

Depois de 1888, Nietzsche passou a escrever cartas estranhas. Um ano mais tarde, em Turim, enfrentou o auge da crise; escrevia cartas ora assinando "Dioniso", ora "o Crucificado" e acabou sendo internado em Basiléia, onde foi diagnosticada uma "paralisia progressiva". Provavelmente de origem sifilítica, a moléstia progrediu lentamente até a apatia e a agonia. Nietzsche faleceu em Weimar, a 25 de agosto de 1900.

O Dionisíaco e o Socrático

Nietzsche enriqueceu a filosofia moderna com meios de expressão: o aforismo e o poema. Isso trouxe como conseqüência uma nova concepção da filosofia e do filósofo: não se trata mais de procurar o ideal de um conhecimento verdadeiro, mas sim de interpretar e avaliar. A interpretação procuraria fixar o sentido de um fenômeno, sempre parcial e fragmentário; a avaliação tentaria determinar o valor hierárquico desses sentidos, totalizando os fragmentos, sem, no entanto, atenuar ou suprimir a pluralidade. Assim, o aforismo nietzschiano é, simultaneamente, a arte de interpretar e a coisa a ser interpretada, e o poema constitui a arte de avaliar e a própria coisa a ser avaliada. O intérprete seria uma espécie de fisiologista e de médico, aquele que considera os fenômenos como sintomas e fala por aforismos; o avaliador seria o artista que considera e cria perspectivas, falando pelo poema. Reunindo as duas capacidades, o filósofo do futuro deveria ser artista e médico-legislador, ao mesmo tempo.

Para Nietzsche, um tipo de filósofo encontra-se entre os pré-socráticos, nos quais existe unidade entre o pensamento e a vida, esta "estimulando" o pensamento, e o pensamento "afirmando" a vida. Mas o desenvolvimento da filosofia teria trazido consigo a progressiva degeneração dessa característica, e, em lugar de uma vida ativa e de um pensamento afirmativo, a filosofia ter-se-ia proposto como tarefa "julgar a vida", opondo a ela valores pretensamente superiores, mediando-a por eles, impondo-lhes limites, condenando-a. Em lugar do filósofo-legislador, isto é, crítico de todos os valores estabelecidos e criador de novos, surgiu o filósofo metafísico. Essa degeneração, afirma Nietzsche, apareceu claramente com Sócrates, quando se estabeleceu a distinção entre dois mundos, pela oposição entre essencial e aparente, verdadeiro e falso, inteligível e sensível. Sócrates "inventou" a metafísica, diz Nietzsche, fazendo da vida aquilo que deve ser julgado, medido, limitado, em nome de valores "superiores" como o Divino, o Verdadeiro, o Belo, o Bem. Com Sócrates, teria surgido um tipo de filósofo voluntário e sutilmente "submisso", inaugurando a época da razão e do homem teórico, que se opôs ao sentido místico de toda a tradição da época da tragédia.

Para Nietzsche, a grande tragédia grega apresenta como característica o saber místico da unidade da vida e da morte e, nesse sentido, constitui uma "chave" que abre o caminho essencial do mundo. Mas Sócrates interpretou a arte trágica como algo irracional, algo que apresenta efeitos sem causas e causas sem efeitos, tudo de maneira tão confusa que deveria ser ignorada. Por isso Sócrates colocou a tragédia na categoria das artes aduladoras que representam o agradável e não o útil e pedia a seus discípulos que se abstivessem dessas emoções "indignas de filósofos". Segundo Sócrates, a arte da tragédia desvia o homem do caminho da verdade: "uma obra só é bela se obedecer à razão", formula que, segundo Nietzsche, corresponde ao aforismo "só o homem que concebe o bem é virtuoso". Esse bem ideal concebido por Sócrates existiria em um mundo supra-sensível, no "verdadeiro mundo", inacessível ao conhecimento dos sentidos, os quais só revelariam o aparente e irreal. Com tal concepção, criou-se, segundo Nietzsche, uma verdadeira oposição dialética entre Sócrates e Dioniso: "enquanto em todos os homens produtivos o instinto é uma força afirmativa e criadora, e a consciência uma força crítica e negativa, em Sócrates o instinto torna-se crítico e a consciência criadora". Assim, Sócrates, o "homem teórico", foi o único verdadeiro contrário do homem trágico e com ele teve início uma verdadeira mutação no entendimento do Ser. Com ele, o homem se afastou cada vez mais desse conhecimento, na medida em que abandonou o fenômeno do trágico, verdadeira natureza da realidade, segundo Nietzsche. Perdendo-se a sabedoria instintiva da arte trágica, restou a Sócrates apenas um aspecto da vida do espírito, o aspecto lógico-racional; faltou-lhe a visão mística, possuído que foi pelo instinto irrefreado de tudo transformar em pensamento abstrato, lógico, racional. Penetrar a própria razão das coisas, distinguindo o verdadeiro do aparente e do erro era, para Sócrates, a única atividade digna do homem. Para Nietzsche, porém, esse tipo de conhecimento não tarda a encontrar seus limites: "esta sublime ilusão metafísica de um pensamento puramente racional associa-se ao conhecimento como um instinto e o conduz incessantemente a seus limites onde este se transforma em arte".

Por essa razão, Nietzsche combateu a metafísica, retirando do mundo supra-sensível todo e qualquer valor eficiente, e entendendo as idéias não mais como "verdades" ou "falsidades", mas como "sinais". A única existência, para Nietzsche, é a aparência e seu reverso não é mais o Ser; o homem está destinado à multiplicidade, e a única coisa permitida é sua interpretação.

O Vôo da Águia, a Ascensão da Montanha

A crítica nietzschiana à metafísica tem um sentido ontológico e um sentido moral: o combate à teoria das idéias socrático-platônicas é, ao mesmo tempo, uma luta acirrada contra o cristianismo.

Segundo Nietzsche, o cristianismo concebe o mundo terrestre como um vale de lágrimas, em oposição ao mundo da felicidade eterna do além. Essa concepção constitui uma metafísica que, à luz das idéias do outro mundo, autêntico e verdadeiro, entende o terrestre, o sensível, o corpo, como o provisório, o inautêntico e o aparente. Trata-se, portanto, diz Nietzsche, de "um platonismo para o povo", de uma vulgarização da metafísica, que é preciso desmistificar. O cristianismo, continua Nietzsche, é a forma acabada da perversão dos instintos que caracteriza o platonismo, repousando em dogmas e crenças que permitem à consciência fraca e escava escapar à vida, à dor e à luta, e impondo a resignação e a renúncia como virtudes. São os escravos e os vencidos da vida que inventaram o além para compensar a miséria; inventaram falsos valores para se consolar da impossibilidade de participação nos valores dos senhores e dos fortes; forjaram o mito da salvação da alma porque não possuíam o corpo; criaram a ficção do pecado porque não podiam participar das alegrias terrestres e da plena satisfação dos instintos da vida. "Este ódio de tudo que é humano", diz Nietzsche, "de tudo que é 'animal' e mais ainda de tudo que é 'matéria', este temor dos sentidos... este horror da felicidade e da beleza; este desejo de fugir de tudo que é aparência, mudança, dever, morte, esforço, desejo mesmo, tudo isso significa... vontade de aniquilamento, hostilidade à vida, recusa em se admitir as condições fundamentais da própria vida".

Nietzsche propôs a si mesmo a tarefa de recuperar a vida e transmutar todos os valores do cristianismo: "munido de uma tocha cuja luz não treme, levo uma claridade intensa aos subterrâneos do ideal". A imagem da tocha simboliza, no pensamento de Nietzsche, o método filológico, por ele concebido como um método crítico e que se constitui no nível da patologia, pois procura "fazer falar aquilo que gostaria de permanecer mudo". Nietzsche traz à tona, por exemplo, um significado esquecido da palavra "bom". Em latim, bonus significa também o "guerreiro", significado este que foi sepultado pelo cristianismo. Assim como esse, outros significados precisariam ser recuperados; com isso se poderia constituir uma genealogia da moral que explicaria as etapas das noções de "bem" e de "mal". Para Nietzsche essas etapas são o ressentimento ("é tua culpa se sou fraco e infeliz"); a consciência da culpa (momento em que as formas negativas se interiorizam, dizem-se culpadas e voltam-se contra si mesmas); e o ideal ascético (momento de sublimação do sofrimento e de negação da vida). A partir daqui, a vontade de potência torna-se vontade de nada e a vida transforma-se em fraqueza e mutilação, triunfando o negativo e a reação contra a ação. Quando esse niilismo triunfa, diz Nietzsche, a vontade de potência deixa de querer significar "criar" para querer dizer "dominar"; essa é a maneira como o escravo a concebe. Assim, na fórmula "tu és mau, logo eu sou bom", Nietzsche vê o triunfo da moral dos fracos que negam a vida, eu negam a "afirmação"; neles tudo é invertido: os fracos passam a se chamar fortes, a baixeza transforma-se em nobreza. A "profundidade da consciência" que busca o Bem e a Verdade, diz Nietzsche, implica resignação, hipocrisia e máscara, e o intérprete-filólogo, ao percorrer os signos para denunciá-las, deve ser um escavador dos submundos a fim de mostrar que a "profundidade da interioridade" é coisa diferente do que ela mesma pretende ser. Do ponto de vista do intérprete que desça até os bas-fonds da consciência, o Bem é a vontade do mais forte, do "guerreiro", do arauto de um apelo perpétuo à verdadeira ultrapassagem dos valores estabelecidos, do super-homem, entendida esta expressão no sentido de um ser humano que transpõe os limites do humano, é o além-do-homem. Assim, o vôo da águia, a ascensão da montanha e todas as imagens de verticalidade que se encontram em Assim falou Zaratustra representam a inversão da profundidade e a descoberta de que ela não passa de um jogo de superfície.

A etimologia nietzschiana mostra que não existe um "sentido original", pois as próprias palavras não passam de interpretações, antes mesmo de serem signos, e se elas só significam porque são "interpretações essenciais". As palavras, segundo Nietzsche, sempre foram inventadas pelas classes superiores e, assim, não indicam um significado, mas impõem uma interpretação. O trabalho do etimologista, portanto, deve centralizar-se no problema de saber o que existe para ser interpretado, na medida em que tudo é máscara, interpretação, avaliação. Fazer isso é "aliviar o que vive, dançar, criar". Zaratustra, o intérprete por excelência, é como Dioniso.

Os Limites do Humano: O Além-do-Homem

Em Ecce Homo, Nietzsche assimila Zaratustra a Dioniso, concebendo o primeiro como o triunfo da afirmação da vontade de potência e o segundo como símbolo do mundo como vontade, como um deus artista, totalmente irresponsável, amoral e superior ao lógico. Por outro lado, a arte trágica é concebida por Nietzsche como oposta à decadência e enraizada na antinomia entre a vontade de potência, aberta para o futuro, e o "eterno retorno", que faz do futuro numa repetição; esta, no entanto, não significa uma volta do mesmo nem uma volta ao mesmo; o eterno retorno nietzschiano é essencialmente seletivo. Em dois momentos de Assim falou Zaratustra (Zaratustra doente e Zaratustra convalescente), o eterno retorno causa ao personagem-título, primeiramente, uma repulsa e um medo intoleráveis que desaparecem por ocasião de sua cura, pois o que o tornava doente era a idéia de que o eterno retorno estava ligado, apesar de tudo, a um ciclo, e que ele faria tudo voltar, mesmo o homem, o "homem pequeno". O grande desgosto do homem, diz Zaratustra, aí está o que me sufocou e que me tinha entrado na garganta e também o que me tinha profetizado o adivinho: tudo é igual. E o eterno retorno, mesmo do mais pequeno, aí está a causa de meu cansaço e de toda a existência. Dessa forma, se Zaratustra se cura é porque compreende que o eterno retorno abrange o desigual e a seleção. Para Dioniso, o sofrimento, a morte e o declínio são apenas a outra face da alegria, da ressurreição e da volta. Por isso, "os homens não têm de fugir à vida como os pessimistas", diz Nietzsche, "mas, como alegres convivas de um banquete que desejam suas taças novamente cheias, dirão à vida: uma vez mais".

Para Nietzsche, portanto, o verdadeiro oposto a Dioniso não é mais Sócrates, mas o Crucificado. Em outros termos, a verdadeira oposição é a que contrapõe, de um lado, o testemunho contra a vida e o empreendimento de vingança que consiste em negar a vida; de outro, a afirmação do devir e do múltiplo, mesmo na dilaceração dos membros dispersos de Dioniso. Com essa concepção, Nietzsche responde ao pessimismo de Schopenhauer: em lugar do desespero de uma vida para a qual tudo se tornou vão, o homem descobre no eterno retorno a plenitude de uma existência ritmada pela alternância da criação e da destruição, da alegria e do sofrimento, do bem e do mal. O eterno retorno, e apenas ele, oferece, diz Nietzsche, uma "saída fora da mentira de dois mil anos", e a transmutação dos valores traz consigo o novo homem que se situa além do próprio homem.

Esse super-homem nietzschiano não é um ser, cuja vontade "deseje dominar". Se se interpreta vontade de potência, diz Nietzsche, como desejo de dominar, faz-se dela algo dependente dos valores estabelecidos. Com isso, desconhece-se a natureza da vontade de potência como princípio plástico de todas as avaliações e como força criadora de novos valores. Vontade de potência, diz Nietzsche, significa "criar", "dar" e "avaliar".

Nesse sentido, a vontade de potência do super-homem nietzschiano o situa muito além do bem e do mal e o faz desprender-se de todos os produtos de uma cultura decadente. A moral do além-do-homem, que vive esse constante perigo e fazendo de sua vida uma permanente luta, é a moral oposta à do escravo e à do rebanho. Oposta, portanto, à moral da compaixão, da piedade, da doçura feminina e cristã. Assim, para Nietzsche, bondade, objetividade, humildade, piedade, amor ao próximo, constituem valores inferiores, impondo-se sua substituição pela virtù dos renascentistas italianos, pelo orgulho, pelo risco, pela personalidade criadora, pelo amor ao distante. O forte é aquele em que a transmutação dos valores faz triunfar o afirmativo na vontade de potência. O negativo subsiste nela apenas como agressividade própria à afirmação, como a crítica total que acompanha a criação; assim, Zaratustra, o profeta do além-do-homem, é a pura afirmação, que leva a negação a seu último grau, fazendo dela uma ação, uma instância a serviço daquele que cria, que afirma.

Compreende-se, assim, porque Nietzsche desacredita das doutrinas igualitárias, que lhe parecem "imorais", pois impossibilitam que se pense a diferença entre os valores dos "senhores e dos escravos". Nietzsche recusa o socialismo, mas em Vontade de Potência exorta os operários a reagirem "como soldados".

Uma Filosofia Confiscada

Apoiado na crítica nietzschiana aos valores da moral cristã, em sua teoria da vontade de potência e no seu elogio do super-homem, desenvolveu-se um pensamento nacionalista e racista, de tal forma que se passou a ver no autor de Assim Falou Zaratustra um percursor do nazismo. A principal responsável por essa deformação foi sua irmã Elisabeth, que, ao assegurar a difusão de seu pensamento, organizando o Nietzsche-Archiv, em Weimar, tentou colocá-lo a serviço do nacional-socialismo. Elisabeth, depois do suicídio do marido, que fracassara em um projeto colonial no Paraguai, reuniu arbitrariamente notas e rascunhos do irmão, fazendo publicar Vontade de Potência como a última e a mais representativa das obras de Nietzsche, retendo até 1908 Ecce Homo, escrita em 1888. Esta obra constitui uma interpretação, feita por Nietzsche, de sua própria filosofia, que não se coaduna com o nacionalismo e o racismo germânicos. Ambos foram combatidos pelo filósofo, desde sua participação na guerra franco-prussiana (1870-1871).

Por ocasião desse conflito, Nietzsche alistou-se no exército alemão, mas seu ardor patriótico logo se dissolveu, pois, para ele, a vitória da Alemanha sobre a França teria como conseqüência "um poder altamente perigoso para a cultura". Nessa época, aplaudia as palavras de seu colega em Basiléia, Jacob Burckhardt (1818-1897), que insistia junto a seus alunos para que não tomassem o triunfo militar e a expansão de um Estado como indício de verdadeira grandeza.

Em Para Além de Bem e Mal, Nietzsche revela o desejo de uma Europa unida para enfrentar o nacionalismo ("essa neurose") que ameaçava subverter a cultura européia. Por outro lado, quando confiou ao "louro" a tarefa de "virilizar a Europa", Nietzsche levou até a caricatura seu desprezo pelos alemães, homens "que introduziram no lugar da cultura a loucura política e nacional... que só sabem obedecer pesadamente, disciplinados como uma cifre oculta em um número". No mesmo sentido, Nietzsche caracterizou os heróis wagnerianos como germanos que não passam de "obediência e longas pernas". E acabou rompendo definitivamente com Wagner, por causa do nacionalismo e anti-semitismo do autor de Tristão e Isolda: "Wagner condescende a tudo que desprezo, até o anti-semitismo".

Para compreender corretamente as idéias políticas de Nietzsche, é necessário, portanto, purificá-lo de todos os desvios posteriores que foram cometidos em seu nome. Nietzsche foi ao mesmo tempo um antidemocrático e um antitotalitário. "A democracia é a forma histórica de decadência do Estado", afirmou Nietzsche, entendendo por decadência tudo aquilo que escraviza o pensamento, sobretudo um Estado que pensa em si em lugar de pensar na cultura. Em Considerações Extemporâneas essa tese é reforçada: "estamos sofrendo as conseqüências das doutrinas pregadas ultimamente por todos os lados, segundo as quais o estado é o mais alto fim do homem, e, assim, não há mais elevado fim do que servi-lo. Considero tal fato não um retrocesso ao paganismo mas um retrocesso à estupidez". Por outro lado, Nietzsche não aceitava as considerações de que a origem do Estado seja o contrato ou a convenção; essas teorias seriam apenas "fantásticas"; para ele, ao contrário, o Estado tem uma origem "terrível", sendo criação da violência e da conquista e, como conseqüência, seus alicerces encontram-se na máxima que diz: "o poder dá o primeiro direito e não há direito que no fundo não seja arrogância, usurpação e violência".

O Estado, diz Nietzsche, está sempre interessado na formação de cidadãos obedientes e tem, portanto, tendência a impedir o desenvolvimento da cultura livre, tornando-a estática e estereotipada. Ao contrário disso, o Estado deveria ser apenas um meio para a realização da cultura e para fazer nascer o além-do-homem.

Assim Falou Zaratustra

Em Ecce Homo, Nietzsche intitulou seus capítulos: "Por que sou tão finalista?", "Por que sou tão sábio?", "Por que sou tão inteligente?", "Por que escrevo livros tão bons?". Isso levou muitos a considerarem sua obra como anormal e desqualificada pela loucura. Essa opinião, no entanto, revela um superficial entendimento de seu pensamento. Para entendê-lo corretamente, é necessário colocar-se dentro do próprio núcleo de sua concepção da filosofia: Nietzsche inverteu o sentido tradicional da filosofia, fazendo dela um discurso ao nível da patologia e considerando a doença "um ponto de vista" sobre a saúde e vice-versa. Para ele, nem a saúde, nem a doença são entidades; a fisiologia e a patologia são uma única coisa; as oposições entre bem e mal, verdadeiro e falso, doença e saúde são apenas jogos de superfície. Há uma continuidade, diz Nietzsche, entre a doença e a saúde e a diferença entre as duas é apenas de grau, sendo a doença um desvio interior à própria vida; assim, não há fato patológico.

A loucura não passa de uma máscara que esconde alguma coisa, esconde um saber fatal e "demasiado certo". A técnica utilizada pelas classes sacerdotais para a cura da loucura é a "meditação ascética", que consiste em enfraquecer os instintos e expulsar as paixões; com isso, a vontade de potência, a sensualidade e o livre florescimento do eu são considerados "manifestações diabólicas". Mas, para Nietzsche, aniquilar as paixões é uma "triste loucura", cuja decifração cabe à filosofia, pois é a loucura que torna mais plano o caminho para as idéias novas, rompendo os costumes e as superstições veneradas e constituindo uma verdadeira subversão dos valores. Para Nietzsche, os homens do passado estiveram mais próximos da idéia de que onde existe loucura há um grão de gênio e de sabedoria, alguma coisa de divino: "Pela loucura os maiores feitos foram espalhados foram espalhados pela Grécia". Em suma, aos "filósofos além de bem e mal", aos emissários dos novos valores e da nova moral não resta outro recurso, diz Nietzsche, a não ser o de proclamar as novas leis e quebrar o jugo da moralidade, sob o travestimento da loucura. É dentro dessa perspectiva, portanto, que se deve compreender a presença da loucura na obra de Nietzsche. Sua crise final apenas marcou o momento em que a "doença" saiu de sua obra e interrompeu seu prosseguimento. As últimos cartas de Nietzsche são o testemunho desse momento extremo e, como tal, pertencem ao conjunto de sua obra e de seu pensamento. A filosofia foi, para ele, a arte de deslocar as perspectivas, da saúde à doença, e a loucura deveria cumprir a tarefa de fazer a crítica escondida da decadência dos valores e aniquilamento: "Na verdade, a doença pode ser útil a um homem ou a uma tarefa, ainda que para outros signifique doença... Não fui um doente nem mesmo por ocasião da maior enfermidade".

Nietzsche - Cinco Prefácios: para Cinco Livros Não Escritos



Fonte do livro digitalizado:
Projeto Democratizacao da Leitura
Fonte dos dados acerca do livro: Rubedo.PSC

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“ Quando se fala de humanidade, a noção fundamental é a de algo que separa e distingue o homem da natureza. Mas uma tal separação não existe na realidade: as qualidades ‘naturais’ e as propriamente chamadas ‘humanas’ cresceram conjuntamente. O ser-humano, em suas mais elevadas e nobres capacidades, é totalmente natureza, carregando consigo seu inquietante duplo caráter. As capacidades terríveis do homem, consideradas desumanas, talvez constituam o solo frutífero de onde pode brotar toda humanidade, em ímpetos, feitos e obras.”

“Friedrich Nietzsche, naquela época ainda um jovem professor de filologia clássica na universidade da Basiléia, tinha publicado em 1872 o seu primeiro livro, O Nascimento da tragédia no espírito da música, e escrevia então textos que deveriam preceder outros cinco livros, nunca terminados.
O título Cinco prefácios para cinco livros não escritos (Fünf Vorreden zu fünt ungeschriebenen Bücher) foi dado pelo próprio autor, que reuniu os seus escritos no fim daquele mesmo ano de 1872 e os enviou à senhora Cosima Wagner, a mulher do famoso compositor alemão Richard Wagner, por quem tinha uma grande admiração quando jovem. Mas os cinco prefácios só seriam publicados muito mais tarde, junto com outros escritos deixados por Nietzsche, nos volumes das suas obras completas.
Os cinco textos constituem, ao mesmo tempo, indicações e como que projetos concentrados das obras que os sucederiam, abrindo diferentes possibilidades de questionamento, tematizando a cultura, a Alemanha do século passado, a arte e a filosofia, a verdade e o conhecimento. Como em outros textos do filósofo, estas questões baseadas no chamado helenismo, ou seja, em uma interpretação da cultura grega, de Homero e Heráclito, Sócrates e Platão, dos historiadores Heródoto e Diogenes Laertius. Esta base é o ponto de partida para o pensamento de Nietzsche, na crítica da sociedade e dos valores modernos.”

SUMÁRIO

Prefácio para prefácios
1. Sobre o PATHOS da verdade
2. Pensamento sobre o futuro de nossos institutos de formação
3. O estado grego
4. A relação da filosofia de Schopenhauer com uma cultura alemã

Nietzsche - Vontade de potência



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Fonte dos dados acerca do livro: Resumo dissertação mestrado UFRJ - Machado, Cristina G. Oliv

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Cristina G. M. Oliveira (resumo dissertação mestrado UFRJ - Machado, Cristina G. Oliveira)

É importante afastar o mundo além, nisso consiste o projeto nietzschiano de transvaloração de todos os valores: fundar os valores a partir de outras bases, diferentemente da visão platônica.

Investigando o assunto no decorrer do trabalho, insistiremos em retomar o mesmo com a intenção de chegarmos a um denominador comum, a chave central que nos levará a afirmar o valor como processo criativo e expressão maior da vida.

No primeiro capítulo, Vida como vontade de potência, um novo caminho foi anunciado – o problema da finalidade da vida o qual ultrapassa as máscaras da realidade. Vimos como Nietzsche propõe isso por meio da criação de novas possibilidades de vida, isto é, através do fluxo da vida. Diante disso, verificamos como essa concepção nietzschiana era formulada – através dos impulsos estéticos (instintos apolíneos e dionisíacos) enunciados na obra O Nascimento da Tragédia.

De tal modo, podemos compreender que o modelo nietzschiano constitui-se de uma força que quer sempre mais e destrói a imutabilidade. Afim de um maior entendimento e apreensão das questões propostas anteriormente foi analisado o conceito de impulso, força. De acordo com o pensamento nietzschiano, podemos assimilar que as forças tendem a exercer-se o quanto podem agindo e resistindo sobre outras, irradiando uma vontade de potência. Esse conflito incessante estará em fluxo e refluxo conforme o teor das configurações ganhando, com isso, uma dinâmica expansiva e de transformação. Nesse sentido, o impulso (força) é entendido como um efetivar-se, pois é o seu próprio fazer-se. Assim, o conceito de “jogo de forças” gera uma nova concepção de ontologia, pois deixamos de lado as características absolutas e duradouras, para serem analisadas a partir dos impulsos relacionais.

Após a explanação do conceito de impulso fomos levados a compreender e analisar o significado de vontade de potência. Esta, como consideramos, é o resultado de um “jogo de forças” marcado pelo afeto de comando, o qual está esse estando presente em toda a manifestação da vida. Essa investida nietzschiana abre-se ao relacional, donde cada centro instável de potência tem interligação com todo o resto para assim gerar conjuntos maiores de impulsos, vontade de potência.

De acordo com o analisado no decorrer do trabalho podemos constatar que vontade de potência é geradora de vontade de vida, pois somente onde existe vontade há vida. Donde concluímos que vida e vontade de potência se identificam. Podemos compreender, desse modo, que somente irá existir querer, impulso, vontade de potência se algo existir, isto é, se houver um ser vivo, pois, tudo o que existe quer algo. Portanto, quando falamos em vida, mundo, ser humano, atividades orgânicas o que na realidade estamos determinando são as múltiplas manifestações dos impulsos da vontade de potência que neles se efetivam.

No segundo capítulo, Valor à luz de noção de vida, resgatamos as questões deixadas no capítulo anterior e com isso podemos nos aprofundar ainda mais no conceito nietzschiano de valor.

Após a explanação sobre o conceito de vida como vontade de potência podemos concluir que vontade, para Nietzsche, é antes de tudo força de criação. Desse modo, o que ocorre em tal caminho é que o homem sendo uma vontade de potência relacional está sempre em consonância com o mundo e com os outros impulsos que o circundam, possibilitando, dessa maneira, sempre novas possibilidades de vida. Para que as novas possibilidades de vida transbordem em nosso mundo e em nossas próprias existências o importante é que o ser vivente seja um criador, ou seja, aquele capaz de produzir o real e não somente de dissimulá-lo com falsas representações.

Dessa maneira, a partir do conceito de vontade de potência surgiu uma nova forma de avaliação do real, já que nossos instintos correspondem à vontade de potência e esta determina as condições de nossa existência; que por sua vez implicam nos juízos de valor.

De tal modo, podemos afirmar que as qualidades das forças têm seu princípio na vontade de potência, na direção em que ocorrem. E quem interpreta e avalia tais forças é a própria vontade de potência, pois é a força que dá sentido à coisa. Conseqüentemente, podemos compreender que avaliar é determinar a vontade de potência que dá um determinado valor á coisa.

Desta maneira, cada ser vivente precisa estimar (valorar) a partir de si, de sua perspectiva própria, tudo o que a rodeia, formando um cabedal de estimações valorativas manifestadoras das condições de existência a ela inerentes.

A partir disso, Nietzsche fornece um novo percurso para os seres vivos, pois não acredita mais em valores eternos – os valores são históricos, em devir. Logo, os valores não têm uma existência em si, são o resultado de uma produção, de uma criação através do e no homem.

Portanto, o valor é um produto da avaliação, já que no plano das configurações humanas de potência, todo juízo de valor funciona enquanto canal consolidador de certo tipo de vida – formações ascendentes manifestam valores superlativos, ao passo que estruturas decadentes só podem exprimir apreciações potencialmente regressivas.

Dentro de tal argumento, Nietzsche ressaltou a manifestação de duas grandes linhas valorativas – moral nobre ou de senhores e moral do ressentimento ou de escravos. O pano de fundo da avaliação nietzschiana será sempre o modo pelo qual o indivíduo se relaciona com o grupo de que faz parte.

Diante de tal contexto analisado, podemos perceber que não será o próprio homem quem fará tal ato, mas a própria vida é que avaliará, já que o ser humano não é critério para a avaliar os valores, e sim a vida. É somente a vida como vontade de potência que estratifica os valores ao modo perspectivo, que engendra novos caminhos de significação. Portanto, podemos concluir que é a própria vida que avalia por nosso intermédio

Assim sendo, as avaliações são criações da atividade, da vontade de potência, é a ação da vontade se fazendo, se afirmando. Portanto, podemos compreender que vontade de potência é concebida como um princípio pelo qual a vida se auto-supera, como único critério de avaliação. É exatamente nesse viver, no criar que este nos pressupõe é que se abrirão ao ser humano as verdadeiras perspectivas criadoras; uma vez que somente no devir é que teremos criação e, aí sim um novo enfoque da realidade será estabelecido pela vontade de potência.

Após essa tarefa de análise concluímos que Nietzsche valoriza os impulsos, subordinando o homem ao objetivo da vida que é extensão e intensificação de potência. Dessa forma, podemos compreender que o homem é aquele que permeia a avaliação, aquele que através da vontade de potência realiza a dinâmica do valorar, do ato da avaliação.

No terceiro e último capítulo, Valor é um quantum de potência, verificamos que uma vez que a vontade de potência é a base de toda a interpretação e avaliação, o que temos, é a compreensão da vontade de potência como construção e expressão de um impulso vital enquanto base das valorações.

Segundo esse ponto de vista nos fundamentamos nos instintos considerados sob a ótica da vontade de potência. Conseqüentemente, cada impulso passa a ser entendido como quantum de potência em contínua transformação, produto da equação tensa e instantânea entre sua capacidade para dominar, assimilar os demais quanta e sua habilidade em resistir à influência por eles exercida.

Verificamos que o instinto é, nesse sentido, força espontânea através da qual a vida avalia por si mesma, ou seja, pela expansão de suas potencialidades. Portanto, um valor torna-se evidente libertando-se da sua origem na força decisória de quem o pratica.

Assim, no fundo, quando valoramos é a própria vida, enquanto vontade de potência, que avalia por nosso intermédio. Na esfera do humano, os instintos e as apreciações de valor deles decorrentes funcionam como meios de expressão da potência.

A partir daí podemos argumentar com outras perspectivas o conceito de valor. Conseqüentemente, compreendemos que o caráter fundante é que a vontade de potência põe valores e que a instauração desses ocorrem porque “Tudo o que é ‘é’ enquanto condição de possibilidade do poder, isto é, enquanto valor”.[1]

Deste modo, o ser como vontade de potência, criação de novos valores, afirma-se na sua própria criação, pois, ainda é possível a criação de novos valores porque se redescobriu a pluralidade dos sentidos do ser. Defini-se assim um devir criativo das forças, um triunfo da afirmação da vida, desta vida terrena múltipla e em constante movimento.

A partir disso obtemos que, de acordo com sentido nietzschiano, não existem os valores em si, mas a pluralidade dos mesmos.

Portanto, ao abordar a multiplicidade dos valores foi constatado que a realidade, dentro da visão nietzschiana, tem um caráter móvel, dinâmico e em incessante mudança.

1 HEIDEGGER. Nietzsche – metafísica e niilismo. p.66.

Nietzsche - Despojos de uma Tragédia




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Despojos de uma Tragédia reúne cartas escritas por Nieztsche a familiares, amigos e colegas, entre 1863 e 1888. Prosas únicas, cartas à moda antiga, muito bem escritas, para vermos de muito perto o filósofo alemão, um homem desprezado pelos seus compatriotas, sobretudo a partir do momento em que começou a publicar as suas obras 'a doer'. E essa é uma das mágoas que ele demonstra em várias cartas, a de ser incompreendido no seu tempo

Nietzsche - O Anticristo




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Prefácio

“Este livro pertence aos homens mais raros. Talvez nenhum deles sequer esteja vivo. É possível que se encontrem entre aqueles que compreendem o meu “Zaratustra”: como eu poderia misturar-me àqueles aos quais se presta ouvidos atualmente? – Somente os dias vindouros me pertencem. Alguns homens nascem póstumos.

As condições sob as quais sou compreendido, sob as quais sou necessariamente compreendido – conheço-as muito bem. Para suportar minha seriedade, minha paixão, é necessário possuir uma integridade intelectual levada aos limites extremos. Estar acostumado a viver no cimo das montanhas – e ver a imundície política e o nacionalismo abaixo de si. Ter se tornado indiferente; nunca perguntar se a verdade será útil ou prejudicial... Possuir uma inclinação – nascida da força – para questões que ninguém possui coragem de enfrentar; ousadia para o proibido; predestinação para o labirinto. Uma experiência de sete solidões. Ouvidos novos para música nova. Olhos novos para o mais distante. Uma consciência nova para verdades que até agora permaneceram mudas. E um desejo de economia em grande estilo – acumular sua força, seu entusiasmo... Auto-reverência, amor-próprio, absoluta liberdade para consigo...

Muito bem! Apenas esses são meus leitores, meus verdadeiros leitores, meus leitores predestinados: que importância tem o resto? – O resto é somente a humanidade. – É preciso tornar-se superior à humanidade em poder, em grandeza de alma – em desprezo...”

Friedrich Nietzsche

Nietzsche - Crepúsculo dos idolos


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“ ...O que exijo do filósofo é que se coloque além do bem e do mal, que ponha sob si a ilusão do juízo moral. Essa exigência é o resultado de um exame feito por mim pela primeira vez e no qual chegou-se à conclusão que não há fatos morais. O juízo moral tem em comum com o juízo religioso o crer em realidades que não existem. A moral é tão-somente uma interpretação de certos fenômenos, porém uma falsa interpretação. O juízo moral pertence, como o juízo religioso, a um grau de ignorância em que a noção da realidade. a distinção

entre o real e o imaginarão não existem, de modo que em tal grau a palavra verdade serve para expressar coisas que hoje chamamos imaginação. Por isso não se deve nunca tomar ao pé da letra o juízo moral, pois entendido assim seria um contrasenso. Entretanto, como semiótica possui um valor inapreciável, pois revela ao que sabe entender, ao menos, realidades preciosas acerca das civilizações e dos gênios que não souberam bastante para compreenderem a si mesmos. A moral é apenas uma linguagem de signos, uma sintomatologia, é preciso saber de antemão do que se trata para se poder tirar partido dela. ...”

Trecho : Sobre aqueles que querem Tornar a humanidade “melhor”

"Crepúsculo dos ídolos" foi a penúltima obra de Nietzsche, escrita e impressa em 1888, pouco antes de o filósofo perder a razão. O próprio Nietzsche a caracterizou - numa das cartas acrescentadas em apêndice a esta edição - como um aperitivo, destinado a "abrir o apetite" dos leitores para a sua filosofia. Trata-se de uma síntese e introdução a toda a sua obra, e ao mesmo tempo uma "declaração de guerra". É com espírito guerreiro que ele se lança contra os "ídolos", as ilusões antigas e novas do Ocidente: a moral cristã, os grandes equívocos da filosofia, as idéias e tendências modernas e seus representantes. De tão variados e abrangentes, esses ataques compõem um mosaico dos temas e atitudes do autor: o perspectivismo, o "aristocratismo", o realismo ante a sexualidade, o materialismo, a abordagem psicológica de artistas e pensadores, o antigermanismo, a misoginia. O título é uma paródia do título de uma opera de Wagner, Crepúsculo dos deuses. No subtítulo, a palavra "martelo" deve ser entendida como marreta, para destroçar os ídolos, e também como diapasão, para, ao tocar as estátuas dos ídolos, comprovar que são ocos

Nietzsche - Genealogia da moral



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... Nós, que somos homens do conhecimento, não conhecemos a nós próprios; somos de nós
mesmos desconhecidos e não sem ter motivo. Nunca nós nos procuramos: como poderia,
então que nos encontrássemos algum dia? Com razão alguém disse: "onde estiver o teu
tesouro, aí estará também o teu coração". Nosso tesouro está onde se assentam as colméias
do nosso conhecimento. Estamos sempre no caminho para elas como animais alados denascimento e recolhedores do mel do espírito, nos preocupamos de coração propriamente de uma só coisa - de "levar para casa" algo. No que se refere, por demais, a vida, as denominadas "vivências" - quem de nós tem sequer suficiente seriedade para elas? Ou o suficiente tempo? Jamais temos prestado bem atenção "ao assunto": ocorre precisamente que não temos ali nosso coração - e nem sequer nosso ouvido! Antes bem, assim como um homem divinamente distraído e absorto a quem o sino acaba de estrondear fortemente os ouvidos com suas dozes batidas de meio-dia, e de súbito acorda e se pergunta "o que é que em realidade soou?", assim também nós abrimos às vezes, os ouvidos depois de ocorridas as coisas e perguntamos, surpreendidos e perplexos de tudo, "o que é que em realidade vivemos?, e também " quem somos nós realmente? e nos pomos a contar com atraso, como temos dito, as doze vibrantes campainhas de nossa vivência, de nossa vida, de nosso ser - ah! e nos equivocamos na conta... Necessariamente permanecemos estranhos a nós mesmos, não nos entendemos, temos que nos confundir com outros, e, em nós servirá sempre a frase que disse "cada um é para si mesmo o mais distante" continuamos a nos considerar "homens do conhecimento".

Genealogia da Moral, uma polêmica (no original em alemão: Zur Genealogie der Moral: Eine Streitschrift) é o nome de uma obra do filósofo alemão Friedrich Nietzsche, publicada em 1887, que complementa e clarifica uma obra anterior, Para Além do Bem e do Mal

Visão geral

A Genealogia da moral tece uma crítica a moral vigente a partir do estudo da origem dos princípios morais que regem o Ocidente desde Sócrates.

Nietzsche é contra todo tipo de razão lógica e científica, e por isso leva a cabo uma crítica feroz à razão especulativa e a toda a cultura ocidental em todas as suas manifestações: religião, moral, filosofia, ciência e arte, por exemplo

A obra pretende responder às perguntas que o próprio autor coloca no prólogo: Em quais condições o homem inventou os juízos de valor expressos nas palavras bem e mal e que valor possuem tais juízos? Estimularam ou barraram o desenvolvimento até hoje? São signos de indigência, de empobrecimento, de degeneração da vida?

Tratados

É digno de nota o caráter sistemático desta obra, já que Nietzsche costuma escrever em forma de aforismos breves, poéticos, metafóricos e pouco organizados, dado seu antagonismo ao pensamento conceitual, que é incapaz de captar a realidade em incessante devir.

O autor distingue duas classes: a dos senhores e a dos escravos. A classe senhorial divide-se em guerreira e sacerdotal, que valoram, respectivamente, aristocrática e sacerdotalmente. A classe sacerdotal deriva da primeira, e define-se pela impotência, inventando assim o espírito, enquanto que a classe guerreira pratica as virtudes do corpo.

As duas classes são rivais. Desta rivalidade surgem duas morais: a dos senhores e a dos escravos, já que a casta sacerdotal mobiliza os escravos (os débeis e enfermos) contra os guerreiros, que são a classe dominante. Esta mobilização é possível pela inversão dos valores aristocráticos, criando uma moral escrava, que tem início com o povo judeus, e é herdada e assumida pelo cristianismo. Somente desta maneira o sacerdote consegue triunfar sobre o guerreiro.

A Genealogia... constitui-se de três tratados:

  • Bom e mau: expõe uma psicologia do cristianismo, onde é realizada uma análise do surgimento do espírito de ressentimento contra dos valores naturais e nobre. Tal análise é um primeiro passo para a transvaloração de todos os valores;
  • Culpa, má consciência e afins: nele encontra-se uma psicologia da consciência. O ateísmo consiste em não possuir dívidas com os deuses: uma segunda inocência. A crueldade aparece como um dos mais antigos recursos da cultura;
  • O que significa o ascetismo?: o ascetismo é uma crueldade para consigo mesmo e para com os demais. Até hoje não houve sobre a Terra nada mais do que um ideal ascético, mas, agora, há um novo ideal: o super-homem.

Nestes tratados encontramos parte dos pilares recorrentes em toda a filosofia nietzchiana: valoração, crítica e genealogia dos valores. É um mergulho no ser humano como ser histórico. Investiga a evolução dos conceitos morais desmascarando todo o existente, descobrindo que o homem nada mais é do que um ser instintivo, negando assim o significado do transcendente. A essência do método é explicar tudo pelo seu contráro, mostando assim sua verdadeira realidade. Nietzsche recorre à genealogiados conceitos e à etimologia das palavras: saber o significado das palavras e conhecer a história de sua evolução é a única forma de penetrar na fonte de onde brotam a moral e os valoresl

Dois conceitos de valoração diferentes: a valoração aristocrática (bom, mal); a valoração sacerdotal promove, a partir de sua impotência e ressentimento, uma transvaloração: converte em bom o que antes era mal e em ruim o que antes era bom.

Vontade e poder não podem separar-se. A vontade de poder é um querer dominar, um querer afirmar-se e superar-se. Força e exteriorização da força são uma e a mesma coisa, mas a moral do ressentimento diz que o forte é livre para exteriorizar sua força ou não: e, quando a exterioriza, é ruim.

Os débeis, segundo o autor, escolheram tal condição: assim ocultam sua impotência com a máscara do mérito. Deste modo, imperam a falsificação, a vingança dos impotentes contra os nobres. Transformam a impotência em bondade, a baixeza em humildade, a covardia em paciência. Dizem que sua miséria é uma prova, uma bem-aventurança, uma eleição. Introduzem a idéia de culpa, mas eles mesmos são inocentes. Sua obra-prima é a idéia de justiça: eles são os justos e odeiam a injustiça. Sua esperança de vingança é a vitória do deus justo sobre os ateus. Esperam uma justiça de outro mundo no juízo final.

Nietzsche critica a moral como uma contranatureza, que é a moral da tradição cristã e socrática; a moral platônico-socrática; a idéia de uma ordem moral do mundo; e que nega a vida, justificando-se em deus.
Tais aspectos da moral são, para o autor, um passo da humanidade para trás.

Nietzsche - Além do Bem e do Mal


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“... direi agora
uma palavra séria que é dirigida aos espíritos mais sérios. Sede

prudentes, filósofos e amigos do sofrimento e guardai-vos do
martírio oriundo do “amor à verdade”! Guardai-vos inclusive
de defendê-los. Isto prejudica a inocência e a delicada
imparcialidade de vossa consciência, pois a luta contra o
perigo, a injúria, a suspeita, o ostracismo e as conseqüências
mais brutais do ódio, os impeliram a desempenhar o papel de
defensores da verdade nesta terra. Como se a verdade fosse tão
ingênua ou tão torpe que tivesse necessidade de defensores! E
defensores como vós, cavaleiros da Triste Figura, rufiões do
espírito que teceis teias de aranha! Em resumo, sabeis que
pouco importa que a última palavra seja dita por vós, que
inclusive jamais filósofo algum pronunciou a última palavra e
que ofereceríeis uma prova de uma veracidade mais digna de
louvor ao colocar alguns pontos de interrogação atrás de vossas
fórmulas favoritas e de vossas teorias preferidas (e mesmo atrás
de vossa pessoa se a ocasião se apresentar). É preferível que
vos afasteis, que vos refugieis em algum retiro! Colocai vossos
disfarces, fazei uso da astúcia para serdes confundidos com
outros ou ainda para que aprendam a temer-vos um pouco! Não
esqueçais o jardim, eu vos rogo, o jardim com suas cancelas
douradas. E cercai-vos de pessoas que sejam como um jardim
ou o reflexo do sol na água, pois quando cai a tarde, o dia não é
mais que lembrança. Escolhei a boa solidão, a solidão livre, a
que vos permite seguir sendo bons em qualquer sentido. Quanta
perfídia, astúcia e maldade adquirimos depois de uma grande
guerra que não se pode fazer abertamente! Quão receosos nos
tornamos com o temor prolongado, a angustiosa espera com os
olhos fixos no inimigo, em todos os inimigos possíveis! Estes
desterrados da sociedade, estes perseguidos, estes acossados e
inclusive estes eremitas por necessidade, como Spinoza ou
Giordano Bruncy, terminam sempre por se converterem, ainda
que sob a máscara mais intelectual e talvez sem sabê-lo, em
mestres em matéria de ódio e nuns envenenadores seja qual for
a máscara espiritual e talvez sem o saberem (que se
experimente escavar o fundamento da ética e da teologia de
Spinoza), sem falar sequer dessa vacilante indignação moral
que, num filósofo, atesta de modo infalível que perdeu todo seu
humor filosófico. O calvário do filósofo, seu "sacrifício pela
verdade", faz sair à luz o que este ainda possuía de demagogo e
de comediante e por pouco que tenha sido observado,
compreender-se-á que se pode experimentar o desejo de ver,
pelo menos uma vez, a certos filósofas em estado de
degenerescência, como "mártires", como comediantes, como
tribunos. Porém é necessário aperceber-se da farsa que se
representa uma vez caído o pano, prova de que a grande
tragédia propriamente dita terminou, supondo que o
conhecimento de toda filosofia tenha sido uma grande tragédia”.
Trecho da Primeira parte – O preceito dos filósofos

Além do Bem e do Mal nasceu de reflexões e anotações de Nietzsche, durante a composição de Assim Falou Zaratustra, e inicia uma nova fase literário-filosófica do autor, a sua fase de negação e destruição. Ele é em um tom mais crítico e denso, contrastando com os seus livros anteriores, como "Humano, Demasiado Humano", "Aurora" e "A Gaia Ciência", os quais foram escritos em um tom de leveza e serenidade. Nietzsche considerava este livro, juntamente com "Assim Falava Zaratustra", o seu livro principal, abarcando uma maior multiplicidade de assuntos e reflexões. Assim definiu Nietzsche este livro a seu amigo Jacob Burckhardt: "Peço-lhe que leia este livro (se bem que ele diga as mesmas coisas que o meu Zaratustra, mas de uma forma diferente, muito diferente)...".

Este livro chamara a atenção de um famoso jornalista do jornal suíço "Bund", Widemann. Seguem os comentários desse jornalista sobre o livro: "Os 'stocks' de dinamite que foram usados para a construção da via-férrea de Gouthard ostentavam uma bandeira negra para anunciar um perigo de morte. É neste sentido muito preciso que nós falamos do novo livro do filósofo Nietzsche como sendo um livro perigoso. Mas este termo não contém a menor crítica ao autor e à sua obra, da mesma forma que essa bandeirola negra não estava lá para criticar o explosivo. Longe de nós ainda a idéia de entregar o pensador solitário aos corvos e rãs da pia batismal, atraindo atenção para o caráter perigoso do seu livro. A dinamite, espiritual como material, pode servir a uma obra muito útil. Não é preciso usá-la com fins criminosos. Mas onde for colocado o 'stock' é melhor dizer claramente: 'Aqui há dinamite!...' Nietzsche é o primeiro a conhecer um novo caminho, tão assustador que sentimos realmente medo quando o vemos seguir, solitário, essa senda até agora não trilhada!..." Widemann parecia saber exatamente quais palavras que mais lisojeariam Nietzsche, que, naturalmente, rejubilou-se com o artigo. O livro é dividido em 9 partes, as quais tratam de assuntos como: a influência dos preconceitos populares no trabalho do erudito e do filósofo; a conceituação nietzscheana de liberdade e espírito livre e sua expectativa sobre a filosofia do futuro; a essência do homini religiosi, suas diversas facetas e seu comportamento frente à ciência; análise da moral corrente; análise da filosofia e da ciência da época, e da mente do erudito europeu; um ensaio sobre a condição política da Europa, a qual se afogava nas rivalidades de suas maiores potências, crítica ao nacionalismo e ao anti-semitismo (em uma das sub-seções deste ensaio, Nietzsche toca, pela última vez, no "problema" da miscigenação entre as raças européias, mostrando expectativas vagas "na criação de uma nova raça que venha a governar a Europa" - esta "raça", como aponta o texto precedente, seria resultado do caldeamento das nobrezas européias e da raça judaica, a qual estendia mais e mais seu domínio econômico sobre a Europa); retratação do que Nietzsche chamava "moral aristocrática", suas nuances e seu contraste com a moral cristã, que foi tão atacada em vários dos seus escritos. No final do livro, há um belo poema por ele escrito, chamado "Das altas montanhas".

No mesmo ano da publicação do livro, 1886, iniciara Nietzsche a composição de "Genealogia da Moral", a qual deveria ser uma continuação de Além do Bem e do Mal, de acordo com a intenção do autor. "Genealogia da Moral" é, sem dúvida, um dos mais incisivos livros da filosofia ocidental, o qual toca, com eloqüência e uma profundidade inquietante, o problema mostrado, de forma mais sucinta, no livro antecessor: a derrocada da moral cristã, precedida pela "morte" do Deus cristão, uma breve história da origem dos sentimentos disseminados pelos ideais ascéticos e uma ampla visão desses mesmos ideais. É, indubitavelmente, o auge do método científico de Nietzsche e da sua psicologia social.

Nietzsche - Assim Falava Zaratustra


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O livro Assim Falou Zaratustra marca o momento positivo da filosofia de Nietzsche, a chamada filosofia do meio-dia. Dividido em quatro livros, (escritos cada um deles em 10 dias como diz o autor, em 4 anos diferentes), não é uma filosofia sistemática. Inaugura enquanto linguagem nestes escritos, o aforismo e o poema, coisa que não era própria da filosofia no século XIX, o que torna suas idéias de difícil compreensão, por permitirem várias interpretações. Afinal, é isso que ele acha que é a filosofia, interpretar e avaliar a realidade e não a busca de uma verdade absoluta, que não existe.
No primeiro livro do Zaratustra anuncia a morte de Deus e o supra-homem (Übersmensch). Diz que “o homem é uma corda atada entre o animal e o supra-homem”, algo a ser superado.
Com a morte de Deus o homem se vê criador de valores e assim abandona todo “tu deves” para dizer “eu quero” e se afirmar enquanto criador. Seguem-se diversas parábolas indicando o homem como algo a ser superado. Zaratustra sai atrás de companheiros. Termina o livro despedindo-se de seus discípulos e pedindo para que eles até mesmo reneguem Zaratustra, pois ele pode ser um enganador. Quem quiser seguir Zaratustra deve seguir a si mesmo e só assim poderá ser companheiro de Zaratustra.
No segundo livro, desce novamente a montanha porque sua doutrina está sendo corrompida. Volta para ensinar o amor fati, como afirmação da vida e do sentido da Terra. Afirmar todas as alegrias e sofrimentos como parte da vida, como a própria vida, sem nenhuma recompensa a posteriori. A vida é aqui e agora. Nada mais que isso. Querer qualquer coisa depois da vida é querer o nada. Na vida, tudo é transitório, nada é fixo. Ataca os sacerdotes como envenenadores da vida, que dizem ser aqui um vale de lágrimas e a recompensa vem depois da vida, esses caluniadores do espírito são os inimigos de Zaratustra e atrasam a vinda do supra-homem. Zaratustra vem ensinar que o homem deve vencer a si mesmo e que este combate não tem fim nem descanso. Por isso o homem fraco se desespera com a vida e busca sempre um porto fixo onde possa fingir que a vida é outra coisa e se livrar do desespero.
No terceiro livro descreve sua doutrina do eterno retorno de todas as coisas. O tempo, nessa concepção, é um anel perfeito. Sem inicio nem fim, é uma estrada que só pode ser conhecida no portal do instante. Deste portal segue uma estrada infinita para trás e para frente, sendo o instante o ponto onde as duas estradas se encontram. Assim todas as coisas já aconteceram e irão acontecer novamente numa repetição infinita. Este eterno retorno é o mais pesado dos pesos. E Zaratustra é, antes de tudo, "o mestre do eterno retorno". Apresenta-o, por um lado, como assustador quando não mortífero e, por outro, como libertador, como a "fórmula suprema da afirmação". A existência, tal como é, sem sentido ou alvo, mas retornando inevitavelmente, sem um final no nada: 'o eterno retorno'. É a forma mais extrema do niilismo: o nada (o 'sem-sentido') eterno!
"Retornarei com este sol, com esta terra, com esta águia, com esta serpente – não para uma vida nova ou uma vida melhor ou uma vida semelhante – Retornarei eternamente para esta mesma e idêntica vida, nas coisas maiores e também nas menores, para ensinar outra vez o eterno retorno de todas as coisas – para dizer outra vez a palavra do grande meio-dia da terra e do homem, para anunciar outra vez aos homens o supra-homem. Disse a minha palavra, despedaço-me por causa dela: assim o quer a minha eterna sina –, como anunciador pereço! Chegou a hora em que aquele que declina abençoa a si mesmo. Assim – termina o declínio de Zaratustra".
No quarto e último livro é a vez dos homens superiores irem à montanha atrás de Zaratustra, o adivinho, os reis, o consciencioso, o encantador, o último papa, o assassino de Deus, o mendigo voluntário, e a sua sombra. Todos os que perderam o sentido da vida, a procura dnovo sentido, a grande esperança. Zaratustra os encontra pela montanha e lhes oferece abrigo em sua caverna (clara alusão a Platão), junto a seus animais, a serpente e a águia (representando o conhecimento e o orgulho, respectivamente). Mas os homens superiores não estavam preparados para o novo sentido e buscam o que adorar no lugar do Deus morto. E começam a adorar o jumento como encarnação da doutrina de Zaratustra, pois o jumento sempre diz: IA! (em alemão: sim!) Zaratustra os chama de volta a consciência. Os homens superiores estão longe de serem aquele que Zaratustra veio anunciar! Mas também descobriram satisfação com um instante que valeu a vida inteira. “Era isto a vida? – direi a morte. – pois bem: repita-se!” Com Zaratustra festejaram e embriagaram-se e na manhã seguinte eis que surge o leão que acaricia Zaratustra e põem em fuga os homens superiores. É o leão do “eu quero” que enche Zaratustra de alegria como que anunciando que o supra-homem está próximo, mas desperta o medo em todos os homens superiores. Medo da vontade livre que tudo quer e que sabe que deve destruir o velho para que o novo seja criado.
Assim falava Zaratustra...

quarta-feira, 26 de março de 2008

Nietzsche - Aurora


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Aurora, o despertar de uma nova moralidade. Emancipação da razão diante da moral. Uma vez que a moralidade não é outra coisa que a obediência aos costumes, de qualquer natureza que estes sejam, Aurora quer romper essa maneira tradicional de agir e de avaliar. Portanto, à medida que o sentido da causalidade aumenta, diminui a extensão do domínio da moralidade. De fato, a compreensão das ligações efetivas da causalidade destrói considerável número de causalidades imaginárias que foram sendo julgadas no decurso dos tempos como fundamentos da moral. O poder liberador da razão tem em si a capacidade de desmitificar significados sociais instituídos pela tradição; o indivíduo, em sua atividade racional, se descobre como criador de novos valores. O indivíduo é capaz, portanto, de romper o elo histórico que une tradição e moralidade, opondo-lhe o binômio razão e afirmação de si. Com essas principais referências, em Aurora, Nietzsche discute a história dos costumes e da moralidade, a história do pensamento e do conhecimento, além de ressaltar os preconceitos cristãos que vararam a história da humanidade. A seguir, se concentra em analisar a natureza e a história dos sentimentos morais, dos pre­conceitos filosóficos e dos preconceitos da moral altruísta. Continua depois estabelecendo o contraponto entre cultura e culturas ou civilização e civilizações, para ressaltar a intervenção do. Estado, da política e dos povos na história. Finalmente, parece divertir-se ao apresentar coisas essencialmente humanas e corri­queiras e pintar o universo do pensador. Como a aurora anuncia um novo dia, Aurora, para Nietzsche, é também um novo despertar para uma verdadeira vida — do homem e da humanidade inteira.

Nietzsche - A Filosofia na Época Trágica dos Gregos


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PREFÁCIO

I
Em relação aos homens que estão longe de nós, basta que saibamos os fins a que se propõem para os aceitarmos ou os rejeitarmos em massa. Julgamos os que estão mais perto de nós pelos meios que usam para alcançar os seus fins; e muitas vezes não concordamos com os seus fins, mas os amamos em virtude dos meios que usam e por causa da qualidade do seu querer. Ora, os sistemas filosóficos são só inteiramente verdadeiros para os seus criadores: os filósofos posteriores consideram-nos normalmente um erro enorme, e para os espíritos mais fracos não passam de uma soma de erros e de verdades, enquanto fim supremo são, em todo o caso, um erro e, por isso condenável. Eis porque tantos desprezam o filósofo: é porque os seus fins diferem dos fins que aqueles se propõem; esses só de longe nos dizem respeito. Quem, em contrapartida, se alegra com grandes homens, também tem a sua alegria em tais sistemas, pois, mesmo que sejam inteiramente errôneos, não deixam de ter um ponto completamente irrefutável, uma disposição pessoal, uma tonalidade; podem utilizar-se para construir a imagem do filósofo: assim como a partir de uma planta se podem tirar conclusões sobre o solo. Em todo o caso, trata-se de uma maneira de viver e de ver as coisas humanas que já existiu, e que, por isso, é possível: o "sistema" ou, pelo menos, uma parte deste sistema, é a planta nascida neste mesmo solo.
Vou fazer a narração de uma versão simplificada da história desses filósofos: de cada sistema quero apenas extrair o fragmento de personalidade que contém e que pertence ao elemento irrefutável e indiscutível que a história deve guardar: é um começo para reencontrar e recriar essas naturezas através de comparações. É também a tentativa de deixar soar de novo a polifonia da alma grega. A tarefa consiste em trazer à luz o que devemos amar e venerar sempre e que não nos pode ser roubado por nenhum conhecimento posterior: o grande homem.

II
Esta tentativa de contar a história dos filósofos gregos mais antigos se distingue de outras tentativas semelhantes pela sua concisão. Esta conseguiu-se porque, em cada filósofo, se mencionou apenas um número muito limitado das suas teorias, em virtude, portanto, de não apresentar uma imagem completa. Mas escolheram-se as doutrinas em que ressoa com maior força a personalidade de cada filósofo, ao passo que uma enumeração completa de todas as teses que nos foram transmitidas, como é costume nos manuais, só leva a uma coisa: ao total emudecimento do que é pessoal. É por isso que esses relatos são tão aborrecidos: pois em sistemas que foram refutados só nos pode interessar a personalidade, uma vez que é a única realidade eternamente irrefutável. Com três anedotas é possível dar a imagem de um homem; vou tentar extrair três anedotas de cada sistema, e não me ocupo do resto.

Nietzsche - A Origem da Tragédia


Como não li A Origem da Tragédia não tecerei nenhum comentário, me limitarei a acreditar no que foi prefaciado.

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PREFÁCIO

Está fora de dúvida que o livro mais emocionante e característico de Nietzsche é “Assim falava Zarathustra”, a obra, porém, que melhor externa a “essência pessoal” do jovem Nietzsche é este primogênito: A ORIGEM DA TRAGÉDIA.

A tradução presente é baseada no primeiro volume das “Obras Completas”, publicadas pelo Nietzsche-Archiv e por C. G. Naumann — Leipzig.

A este livro acrescentou Nietzsche no ano de 1886, além do “Ensaio de autocrítica”, explícitas palavras, que não foram publicadas, mas que se encontram citadas nas páginas XXVII e seguintes da introdução à ORIGEM DA TRAGÉDIA, escritas por D. Elisabeth Förster-Nietzsche para o primeiro volume das “Obras Completas” publicado pelo “Alfred Kröner Verlag” em 1912.

“Para acrescentar à Origem da Tragédia — Livro proveniente de experiências sobre estados estéticos de dor e alegria, tendo no fundo uma metafísica da arte. Ao mesmo tempo confissão de romântico (é quem mais sofre que exige mais profundamente a beleza — ele cria a mesma); e, finalmente, obra de juventude, cheia de coragem e melancolia juvenis.

“Experiências psicológicas fundamentais: com o nome de “apolínico” classifica-se a permanência arrebatadora num mundo imaginário e sonhado, no mundo da aparência bela, como redenção da realização; com o nome dionisíaco torna-se, por outro lado, ativa a realização sentindo-se subjetivamente a evolução, como o prazer intrépido do criador que conhece, ao mesmo tempo, a fúria do destruidor.

“Antagonismo de ambas as experiências, e dos desejos que as fundamentam. A primeira quer a aparência eternamente; diante da mesma torna-se o homem involuntário, calmo como o mar, curado, de acordo consigo e com a existência; a segunda experiência impele à realização, ao desejo da evolução, isto é, à criação e destruição. A realização, intimamente sentida e apresentada, seria o trabalho contínuo de um descontente, arqui-rico, sempre tenso e sempre impelido, de um Deus, que só pode sobrepujar a dor da existência por eterna modificação e mudança: a aparência como sua redenção conseguida a todo momento, mas apenas por alguns instantes; o mundo como conseqüência de visões divinas e redenções na aparência.

“A metafísica da arte contrapõe-se à concepção unilateral de Schopenhauer que compreende a arte partindo não do artista mas sim do preceptor: porque traz em si a libertação e redenção no gozo do irreal, contrapondo-se, assim, à verdade (experiência de um indivíduo que sofre e desespera de si e sua verdade) — Remissão na forma e sua eternidade (como Platão deve ter experimentado: apenas este experimentou também na concepção a vitória sobre sua sofredora sensibilidade por demais irritável). A isto opõe-se o segundo fato: Arte compreendida, partindo do artista, e principalmente do músico: a tortura do dever de trabalho como impulso dionisíaco.

“A arte trágica, rica em ambas as experiências, é classificada como a confraternização do Apolo e Dionísio: a este fenômeno liga-se a maior importância, por parte de Dionísio; mas este fenômeno se nega — nega-se voluntariamente. Isto significa a contraposição ao ensinamento Schopenhaueriano da resignação como concepção trágica do mundo!

“Contra a teoria de Wagner, pela qual a música seria o meio e o drama o fim.

“Desejo do mito trágico como ponto terminal, em que floresce tudo que deve desenvolver-se (“religião”, quer dizer religião pessimista).

“Desconfiança contra a ciência, apesar de ser fortemente sentido o alívio que traz consigo seu otimismo atual: “alegria” do homem teórico.

“Repugnância profunda pelo cristianismo. Por quê? A decadência do ser alemão atribui-se-lhe.

“Não se pode justificar o mundo senão esteticamente: Desconfiança contra a moral (ela pertence ao mundo dos fenômenos).

“A felicidade da existência é possível somente como felicidade na aparência (— o “ser” como a imaginação do que sofre na realização).

“A felicidade na realização é somente possível na destruição do verdadeiro, da “existência”, da aparência bela, na destruição pessimista da ilusão: na destruição mesmo do seu mais belo brilho, atinge a felicidade dionisíaca o seu auge.”

Desde 1869 começou Nietzsche a preocupar-se com as idéias da “Origem da Tragédia” e já nas conferências que pronunciou em 1870 no Museum de Basiléia: “o drama musical grego” e “Sócrates e a Tragédia”, encontramos a expressão provisória das idéias coligidas nesta obra. Publicou seu livro pela primeira vez em 1872 na editora E.W. Fritzsch-Leipzig, sob o título: A Origem da Tragédia, proveniente do espírito da música. Nova edição foi publicada em 1886, com prefácio escrito em Sils-Maria, sob o titulo A Origem da Tragédia ou Helenismo e Pessimismo. Segundo o costume atual, porém, leva esta tradução o primeiro título, apesar de nela se achar incluído o prefácio de 1886. (Ensaio de uma Autocrítica).

Não podemos separar esta obra do Wagnerianismo, que por essa época foi preponderante do espírito de Nietzsche. A obra, como a conhecemos, pode ser quase chamada de fragmentária, pois o jovem Nietzsche desejou fazer vasto trabalho sobre os gregos, mas foi, por razões diversas, levado a modificar seu plano de trabalho, terminando o livro por uma apologia de Wagner. Já se encontram neste livro os prenúncios de sua filosofia posterior. O próprio Nietzsche o afirma na Vontade de Potência, introdução:

“Minha filosofia: arrancar o homem da aparência, seja o perigo qual for. E nada de medo, mesmo com risco da própria vida!”

E será esta a fórmula que o leitor atento encontrará em toda extensão da ORIGEM DA TRAGÉDIA.

Diz Virgil J. Barbato em seu maravilhoso “Nietzsche, Tendances et Problèmes” que “ L’Origine de la Tragédie est un manifeste, dont le contenu a préoccupé l’auteur même pendant la guerre. Il est, pourtant, rempli de considérations esthétiques”. Chamando o próprio Nietzsche em nosso auxílio (Prólogo a Richard Wagner — A ORIGEM DA TRAGÉDIA) vemos que os leitores “verão, caso lerem atentamente este livro, com que sério problema alemão nós nos preocupamos, problema que por nós é colocado no centro das esperanças alemãs, como vértice e ponto de mudança.”

Podemos considerar a Origem da Tragédia como a experiência de fazer do espírito grego a força formadora do espírito moderno, sendo uma experiência plena de vontade e capacidade. Alois Riehl, em seu livro Friedrich Nietzsche (Tradução italiana) resumiu muito bem o conteúdo e o objeto de Nietzsche quando disse: “La Nascita della Tragedia è una metafísica dell’arte, che trasforma l’arte in Metafísica. È la teoria della costante autoredenzione del mondo mediante l’arte”.

O próprio Nietzsche, que mais tarde rejeitou este primeiro grau de seu espírito, tem amor especial a esta obra, chamando-a mesmo de “predileta”. E classifica a sua obra no ECCE HOMO — pág. 104, Tradução de Lourival de Queiroz Henkel: “O início é sobremodo singular. Pela minha experiência íntima, fora-me dado descobrir o único símbolo e paralelo que à história é dado possuir, tendo sido o primeiro também a conceber o maravilhoso fenômeno dionisíaco. Ao mesmo tempo, pelo fato de ter reconhecido Sócrates como um decadente, experimentara de maneira indubitável quão pouco o meu instinto psicológico estava ameaçado por qualquer idiossincrasia moral: a própria moral, considerada como sintoma da decadência, é uma inovação, uma particularidade de primeira ordem na história da consciência. Como passara alto, de um só pulo, em todos os dois casos, acima das conversas fiadas do otimismo contra o pessimismo!” E como ressoa, prenunciador, após a segunda catástrofe mundial, o que Nietzsche continua dizendo na página 108 do livro mencionado: “Eu anuncio o advento de era trágica: a arte mais sublime na afirmação da vida, a tragédia, renascerá quando a humanidade, sem sofrimento, tiver atrás de si a consciência de ter sustentado as guerras mais rudes e mais necessárias.”

Nada mais nos resta acrescentar se não o desejo de que esta tradução contribua para que Frederico Nietzsche, tão caluniado e tão pouco compreendido, receba, entre nós, o lugar de destaque que merece entre os grandes pensadores de todo mundo....

“Subi aos vossos navios! O que necessitamos é de uma nova justiça! E de nova libertação! E de novos filósofos! A terra moral é redonda, também. E a terra moral possui os seus antípodas! E os antípodas também têm direito à existência! Há um mundo novo ainda por descobrir, e até mais de um! Aos vossos navios, todos a bordo, filósofos!” (A ALEGRE CIÊNCIA).

São Paulo, em Janeiro de 1948.