quinta-feira, 27 de março de 2008

Nietzsche - Além do Bem e do Mal


Fonte do livro digitalizado: Projeto Democratizacao da leitura
Fonte dos dados acerca do livro: Wikipedia

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Livro digitalizado em formato pdf
Diretorio onde se encontra o livro

“... direi agora
uma palavra séria que é dirigida aos espíritos mais sérios. Sede

prudentes, filósofos e amigos do sofrimento e guardai-vos do
martírio oriundo do “amor à verdade”! Guardai-vos inclusive
de defendê-los. Isto prejudica a inocência e a delicada
imparcialidade de vossa consciência, pois a luta contra o
perigo, a injúria, a suspeita, o ostracismo e as conseqüências
mais brutais do ódio, os impeliram a desempenhar o papel de
defensores da verdade nesta terra. Como se a verdade fosse tão
ingênua ou tão torpe que tivesse necessidade de defensores! E
defensores como vós, cavaleiros da Triste Figura, rufiões do
espírito que teceis teias de aranha! Em resumo, sabeis que
pouco importa que a última palavra seja dita por vós, que
inclusive jamais filósofo algum pronunciou a última palavra e
que ofereceríeis uma prova de uma veracidade mais digna de
louvor ao colocar alguns pontos de interrogação atrás de vossas
fórmulas favoritas e de vossas teorias preferidas (e mesmo atrás
de vossa pessoa se a ocasião se apresentar). É preferível que
vos afasteis, que vos refugieis em algum retiro! Colocai vossos
disfarces, fazei uso da astúcia para serdes confundidos com
outros ou ainda para que aprendam a temer-vos um pouco! Não
esqueçais o jardim, eu vos rogo, o jardim com suas cancelas
douradas. E cercai-vos de pessoas que sejam como um jardim
ou o reflexo do sol na água, pois quando cai a tarde, o dia não é
mais que lembrança. Escolhei a boa solidão, a solidão livre, a
que vos permite seguir sendo bons em qualquer sentido. Quanta
perfídia, astúcia e maldade adquirimos depois de uma grande
guerra que não se pode fazer abertamente! Quão receosos nos
tornamos com o temor prolongado, a angustiosa espera com os
olhos fixos no inimigo, em todos os inimigos possíveis! Estes
desterrados da sociedade, estes perseguidos, estes acossados e
inclusive estes eremitas por necessidade, como Spinoza ou
Giordano Bruncy, terminam sempre por se converterem, ainda
que sob a máscara mais intelectual e talvez sem sabê-lo, em
mestres em matéria de ódio e nuns envenenadores seja qual for
a máscara espiritual e talvez sem o saberem (que se
experimente escavar o fundamento da ética e da teologia de
Spinoza), sem falar sequer dessa vacilante indignação moral
que, num filósofo, atesta de modo infalível que perdeu todo seu
humor filosófico. O calvário do filósofo, seu "sacrifício pela
verdade", faz sair à luz o que este ainda possuía de demagogo e
de comediante e por pouco que tenha sido observado,
compreender-se-á que se pode experimentar o desejo de ver,
pelo menos uma vez, a certos filósofas em estado de
degenerescência, como "mártires", como comediantes, como
tribunos. Porém é necessário aperceber-se da farsa que se
representa uma vez caído o pano, prova de que a grande
tragédia propriamente dita terminou, supondo que o
conhecimento de toda filosofia tenha sido uma grande tragédia”.
Trecho da Primeira parte – O preceito dos filósofos

Além do Bem e do Mal nasceu de reflexões e anotações de Nietzsche, durante a composição de Assim Falou Zaratustra, e inicia uma nova fase literário-filosófica do autor, a sua fase de negação e destruição. Ele é em um tom mais crítico e denso, contrastando com os seus livros anteriores, como "Humano, Demasiado Humano", "Aurora" e "A Gaia Ciência", os quais foram escritos em um tom de leveza e serenidade. Nietzsche considerava este livro, juntamente com "Assim Falava Zaratustra", o seu livro principal, abarcando uma maior multiplicidade de assuntos e reflexões. Assim definiu Nietzsche este livro a seu amigo Jacob Burckhardt: "Peço-lhe que leia este livro (se bem que ele diga as mesmas coisas que o meu Zaratustra, mas de uma forma diferente, muito diferente)...".

Este livro chamara a atenção de um famoso jornalista do jornal suíço "Bund", Widemann. Seguem os comentários desse jornalista sobre o livro: "Os 'stocks' de dinamite que foram usados para a construção da via-férrea de Gouthard ostentavam uma bandeira negra para anunciar um perigo de morte. É neste sentido muito preciso que nós falamos do novo livro do filósofo Nietzsche como sendo um livro perigoso. Mas este termo não contém a menor crítica ao autor e à sua obra, da mesma forma que essa bandeirola negra não estava lá para criticar o explosivo. Longe de nós ainda a idéia de entregar o pensador solitário aos corvos e rãs da pia batismal, atraindo atenção para o caráter perigoso do seu livro. A dinamite, espiritual como material, pode servir a uma obra muito útil. Não é preciso usá-la com fins criminosos. Mas onde for colocado o 'stock' é melhor dizer claramente: 'Aqui há dinamite!...' Nietzsche é o primeiro a conhecer um novo caminho, tão assustador que sentimos realmente medo quando o vemos seguir, solitário, essa senda até agora não trilhada!..." Widemann parecia saber exatamente quais palavras que mais lisojeariam Nietzsche, que, naturalmente, rejubilou-se com o artigo. O livro é dividido em 9 partes, as quais tratam de assuntos como: a influência dos preconceitos populares no trabalho do erudito e do filósofo; a conceituação nietzscheana de liberdade e espírito livre e sua expectativa sobre a filosofia do futuro; a essência do homini religiosi, suas diversas facetas e seu comportamento frente à ciência; análise da moral corrente; análise da filosofia e da ciência da época, e da mente do erudito europeu; um ensaio sobre a condição política da Europa, a qual se afogava nas rivalidades de suas maiores potências, crítica ao nacionalismo e ao anti-semitismo (em uma das sub-seções deste ensaio, Nietzsche toca, pela última vez, no "problema" da miscigenação entre as raças européias, mostrando expectativas vagas "na criação de uma nova raça que venha a governar a Europa" - esta "raça", como aponta o texto precedente, seria resultado do caldeamento das nobrezas européias e da raça judaica, a qual estendia mais e mais seu domínio econômico sobre a Europa); retratação do que Nietzsche chamava "moral aristocrática", suas nuances e seu contraste com a moral cristã, que foi tão atacada em vários dos seus escritos. No final do livro, há um belo poema por ele escrito, chamado "Das altas montanhas".

No mesmo ano da publicação do livro, 1886, iniciara Nietzsche a composição de "Genealogia da Moral", a qual deveria ser uma continuação de Além do Bem e do Mal, de acordo com a intenção do autor. "Genealogia da Moral" é, sem dúvida, um dos mais incisivos livros da filosofia ocidental, o qual toca, com eloqüência e uma profundidade inquietante, o problema mostrado, de forma mais sucinta, no livro antecessor: a derrocada da moral cristã, precedida pela "morte" do Deus cristão, uma breve história da origem dos sentimentos disseminados pelos ideais ascéticos e uma ampla visão desses mesmos ideais. É, indubitavelmente, o auge do método científico de Nietzsche e da sua psicologia social.

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